Práxis Capitalista: Exploração e Mais Valia

Uma Análise Abrangente da Exploração e Mais-Valia em Perspectiva Marxista e Crítica

I. Introdução: Contextualizando a Práxis Capitalista

Este relatório propõe-se a desvendar o complexo entrelaçamento da práxis, exploração e mais-valia no sistema capitalista, conceitos fundamentais para a compreensão crítica das dinâmicas socioeconômicas contemporâneas. Originados na obra de Karl Marx, esses termos não são meras abstrações teóricas; eles oferecem uma lente analítica para decifrar as relações de poder, a produção de riqueza e as contradições inerentes ao modo de produção capitalista. Ao explorar suas definições formais e suas interconexões, busca-se elucidar a mecânica subjacente à acumulação de capital e suas implicações para a sociedade.

A relevância desses conceitos transcende o campo acadêmico, informando debates sobre desigualdade, trabalho, tecnologia e crises econômicas. A análise aprofundada permitirá não apenas uma compreensão mais robusta da crítica marxista ao capitalismo, mas também a identificação de como essas ideias continuam a ser reinterpretadas e debatidas por diversas escolas de pensamento, tanto marxistas quanto não-marxistas, no século XXI.

O verbete abordará inicialmente a definição de práxis, traçando sua evolução do pensamento clássico à ressignificação marxista, com foco em suas dimensões filosófica, produtiva e política. Em seguida, detalhará o conceito de exploração capitalista, explicando como a força de trabalho se torna uma mercadoria e a base para a apropriação de valor. A mais-valia será definida formalmente, com uma análise de suas modalidades (absoluta e relativa) e sua função como fonte do lucro capitalista.

Um ponto central será a interconexão dialética entre esses conceitos, demonstrando como a práxis humana é moldada e distorcida pelo capitalismo e como a práxis revolucionária emerge como resposta. O relatório também explorará as principais escolas e vertentes do pensamento marxista que desenvolveram ou debateram esses conceitos, como o Marxismo Ocidental, a Teoria da Dependência e a Escola da Regulação. Finalmente, serão apresentadas as críticas internas e externas às teorias marxistas da exploração e mais-valia, culminando em uma reflexão sobre sua relevância contemporânea e perspectivas futuras.

II. O Conceito de Práxis: Da Filosofia à Ação Transformadora

O termo “práxis” possui uma rica genealogia filosófica, remontando à Grécia Antiga, onde Aristóteles, em sua Metafísica, a contrapunha à theoria (contemplação). Para Aristóteles, a práxis referia-se a uma ação com um fim em si mesma, intrínseca à atividade humana e voltada para a perfeição do agente, como a ética e a política. Essa distinção clássica estabelecia a práxis como uma esfera de ação moral e política, distinta da poiesis (produção, que tem um fim externo) e da theoria (conhecimento contemplativo).1

No entanto, é com Karl Marx que o conceito de práxis adquire sua ressignificação mais radical e central para a teoria social. No léxico marxista, a práxis é entendida como uma ação auto-criativa, que se distingue de comportamentos meramente externos ou instintivos. Ela é caracterizada por uma relação dialética intrínseca com a teoria, significando que a ação humana não é arbitrária, mas informada por considerações teóricas, ao mesmo tempo em que a teoria é validada e transformada pela experiência prática. A atividade revolucionária, nesse sentido, busca a unificação indissociável entre teoria e práxis.1

Para Marx, a vida social é essencialmente prática. Ele argumentava que todos os mistérios que levam a teoria ao misticismo encontram sua solução racional na práxis humana e na compreensão dessa práxis. Essa perspectiva é sublinhada na sétima tese de suas “Teses sobre Feuerbach”, onde ele postula que a experiência humana é o espaço central para a articulação de todo o conhecimento. Marx criticava a filosofia tradicional por seu papel contemplativo e seu distanciamento das esferas política e intelectual, pois acreditava que a incompletude filosófica derivava de uma incompreensão do pensamento, da história, da sociedade e do mundo.1

A constituição de realidades significadas e trabalhadas é sempre possível através da dimensão da “práxis humana”. A totalidade das atividades humanas, ou práxis humana, é, portanto, a condição para toda ação intelectual e instrumental. Uma filosofia crítica deve compreender que o processo de formação do mundo social só é possível se o pensamento reflexivo reconhecer que o processo constitutivo dos significados do pensamento e da ação humana é condicionado pela práxis social. Isso leva à conclusão de que a reflexão teórica não deve se desvincular do mundo; em vez disso, deve se tornar autoconsciente de que emerge da concretude histórico-social, com a humanidade se tornando a força criativa e o sujeito da história.1 Uma compreensão mais profunda desse fenômeno revela que a famosa décima primeira tese sobre Feuerbach, “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diversas maneiras; o objetivo é transformá-lo” 1, é mais do que uma máxima; ela representa uma reorientação fundamental da filosofia. Ao afirmar que a solução para os “mistérios” da teoria reside na práxis humana, Marx sugere que o conhecimento verdadeiro não é alcançado pela mera observação ou reflexão abstrata, mas pela intervenção ativa na realidade. Isso implica que a teoria, para ser válida, deve ser testada e reformulada pela prática, e que o objetivo final do conhecimento é a mudança social. A práxis, portanto, não é apenas um “fazer”, mas um “fazer consciente e transformador” que redefine o próprio propósito da filosofia e da ciência social.

Embora Marx não tenha sistematizado explicitamente formas distintas de práxis, sua obra destaca três dimensões interligadas. A práxis filosófica (ou teórica) é um núcleo teórico que é simultaneamente prático. Não se trata de uma mera interpretação do mundo, mas de um guia para a ação, especialmente a ação revolucionária, visando transformar radicalmente o mundo. É uma filosofia que, para propor a transformação, parte de uma compreensão crítica do mundo.1

A práxis produtiva é a base fundamental para a compreensão de todas as outras formas de práxis. Ela se refere à atividade envolvida na produção de bens na sociedade, e a extensa análise de Marx em O Capital é dedicada a desvendá-la. A práxis produtiva envolve a atividade intencional do trabalho, seu objeto e seus meios. Através dela, os seres humanos mediam, regulam e controlam seu metabolismo com a natureza, transformando a matéria natural externa e, ao fazê-lo, transformando sua própria natureza. Nesse processo, a matéria, ao ser moldada pela força humana, é humanizada e adquire valor, que é então apropriado privadamente pelo capital.2

A práxis política (ou revolucionária) é a forma mais elevada de atividade prática transformadora na sociedade. Ela envolve a ação humana dirigida aos próprios seres humanos, lidando com a organização e modificação de grupos humanos em torno do poder concreto do Estado. No contexto da luta de classes moderna, a práxis política se manifesta através de organizações como partidos políticos e associações que lutam pelos interesses de suas respectivas classes. Para o proletariado, isso pode envolver protestos, reuniões populares, greves e até ações violentas, visando a libertação das massas através da luta de classes final e a dissolução das divisões de classe para alcançar o pleno potencial social humano.2 Uma implicação profunda da práxis produtiva e política é que, se a práxis é a atividade humana transformadora da realidade, e se a realidade material é o que produz a consciência, então a práxis, em suas manifestações produtivas e políticas (especialmente a luta de classes), não apenas molda a história, mas também forja a consciência dos indivíduos e das classes sociais.2 Essa conexão estabelece que a práxis não é apenas um meio para a transformação externa do mundo, mas também um processo de auto-transformação e de desenvolvimento da consciência coletiva, essencial para a libertação humana.

III. Exploração Capitalista: A Essência da Relação de Classes

No sistema de Karl Marx, a exploração não é um acidente ou uma falha moral do capitalismo, mas uma característica intrínseca e um mecanismo fundamental para a geração de lucro e a acumulação de capital. A exploração, em sua definição formal, refere-se à apropriação, pela classe capitalista, do valor excedente produzido pela força de trabalho da classe trabalhadora, além do valor necessário para a reprodução dessa força de trabalho. Ela se baseia na teoria do valor-trabalho, que postula que o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário para produzi-la.4

Marx argumenta que, no capitalismo, o trabalhador é “livre” para vender sua força de trabalho como uma mercadoria no mercado. No entanto, essa “liberdade” é uma condição necessária para a exploração, pois o trabalhador, desprovido dos meios de produção, é obrigado a vender sua única posse – sua capacidade de trabalhar – ao capitalista para sobreviver. A exploração ocorre porque o valor que o trabalhador é capaz de produzir durante sua jornada de trabalho é superior ao valor de sua própria força de trabalho (salário), que é o custo de sua subsistência e reprodução.4

A exploração não é uma anomalia, mas a própria lógica do capitalismo. O capitalista compra a força de trabalho pelo seu valor de mercado (o salário), que é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzir os meios de subsistência do trabalhador. No entanto, o capitalista tem o direito de usar essa força de trabalho por um período de tempo maior do que o necessário para o trabalhador produzir o valor equivalente ao seu salário. A diferença entre o valor que o trabalhador produz e o valor que ele recebe como salário é o que Marx chama de mais-valia, que é a fonte do lucro capitalista.4

Essa separação entre os detentores da força de trabalho (proletariado) e os detentores dos meios de produção (burguesia) é a condição estrutural que permite a exploração. A busca incessante por mais-valia impulsiona a concorrência entre capitalistas, levando à constante revolução dos meios de produção e à intensificação do trabalho. Assim, a exploração não é apenas um resultado das relações de trabalho, mas o motor dinâmico que impulsiona o desenvolvimento e as contradições inerentes ao sistema capitalista.2 Um aspecto crucial a ser considerado é como a exploração é, de fato, ocultada dentro da aparente “justiça” do contrato de trabalho. O trabalhador e o capitalista parecem realizar uma troca de equivalentes: salário por horas de trabalho. No entanto, a análise marxista revela que o valor da força de trabalho (o que o trabalhador precisa para viver) é diferente do valor que a força de trabalho produz. A exploração reside nessa diferença, que é sistematicamente apropriada pelo capitalista. O contrato de trabalho, ao formalizar a venda da força de trabalho, legitima e obscurece a apropriação do trabalho não pago, tornando a exploração uma característica inerente e “invisível” do sistema, e não uma falha individual.

Para Marx, a força de trabalho é uma mercadoria especial. Diferente de outras mercadorias, ela tem a capacidade de criar novo valor, e mais valor do que ela própria vale. O capitalista compra essa mercadoria (a força de trabalho) por um determinado preço (o salário), que cobre os custos de subsistência do trabalhador (alimentação, moradia, vestuário, etc.) e a reprodução de sua família. Este é o “trabalho necessário” – o tempo de trabalho que o operário precisa para produzir o valor equivalente ao seu salário.4

No entanto, o contrato de trabalho permite que o capitalista utilize a força de trabalho por uma jornada completa, que excede o “trabalho necessário”. As horas adicionais trabalhadas, pelas quais o trabalhador não é remunerado, constituem o “trabalho excedente”. O valor criado durante esse período de trabalho excedente é a mais-valia, que é apropriada pelo capitalista. É essa apropriação do trabalho não pago que fundamenta o lucro e a acumulação de capital, revelando o caráter exploratório das relações de trabalho no capitalismo e a oposição de interesses entre a burguesia e o proletariado.4 A exploração não é apenas um resultado da relação capital-trabalho, mas também a força motriz por trás da própria dinâmica do capitalismo. A necessidade de extrair mais-valia para garantir lucros e acumular capital impulsiona os capitalistas a inovar, a expandir mercados, a buscar maior produtividade e a revolucionar constantemente os meios de produção. Isso significa que a exploração não é estática; ela se adapta e se intensifica, gerando as contradições internas do sistema, como as crises de superprodução e a formação de um “exército industrial de reserva” (desempregados) que pressiona os salários para baixo. Assim, a exploração é a engrenagem central que move e transforma o capitalismo.

IV. Mais-Valia: A Gênese do Lucro Capitalista

A mais-valia (do alemão Mehrwert) é o conceito central da teoria econômica de Karl Marx e representa a interpretação do lucro no sistema capitalista. Formalmente, a mais-valia é o valor excedente que o trabalhador produz além do valor de sua própria força de trabalho, e que é apropriado gratuitamente pelo capitalista. Em outras palavras, é o valor gerado pelo “trabalho excedente” – as horas ou o valor que o trabalhador cumpre ou gera pelos quais não é remunerado.4

Para Marx, o processo de produção capitalista não se resume à simples troca de equivalentes (dinheiro por mercadoria). Ele se inicia com o capitalista investindo dinheiro (D) para comprar meios de produção (matérias-primas, máquinas) e força de trabalho (M), com o objetivo de produzir uma nova mercadoria que será vendida por uma quantidade maior de dinheiro (D’). A diferença entre D’ e D é o lucro, e Marx demonstra que a origem desse lucro não está na esfera da circulação (compra e venda), mas sim na esfera da produção, através da capacidade única da força de trabalho de criar valor novo e excedente.5

A teoria da mais-valia baseia-se na distinção entre o valor da força de trabalho e o valor que essa força de trabalho é capaz de criar. O valor da força de trabalho é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzir os bens e serviços que o trabalhador e sua família precisam para sobreviver e se reproduzir. Esse valor é pago ao trabalhador na forma de salário. No entanto, a jornada de trabalho é geralmente mais longa do que o tempo necessário para o trabalhador produzir o equivalente ao seu salário.4

As horas de trabalho que excedem o tempo necessário para cobrir o salário do trabalhador são consideradas “trabalho não pago”. O valor gerado durante esse período de trabalho não pago é a mais-valia, que é apropriada pelo capitalista. É essa apropriação que constitui o lucro e a acumulação de capital. Assim, a mais-valia é a manifestação econômica da exploração, revelando que o lucro capitalista deriva da capacidade do capitalista de extrair trabalho não remunerado da classe trabalhadora.4

Tabela 1: Tipos de Mais-Valia

Tipo de Mais-ValiaDefiniçãoExemplos Contemporâneos
Mais-valia AbsolutaÉ extraída pelo prolongamento da jornada de trabalho, além do tempo necessário para o trabalhador produzir o valor de sua subsistência, sem um aumento proporcional no salário.5Se a jornada diária de 8 horas tem 3 horas de trabalho necessário e 5 horas de trabalho excedente, aumentar a jornada para 10 horas resultaria em 7 horas de trabalho excedente, aumentando a mais-valia absoluta. Outros exemplos incluem a expectativa de “trabalho não pago” fora do horário comercial em algumas empresas ou o aumento da jornada de trabalho sem compensação salarial.5
Mais-valia RelativaÉ extraída sem alterar o número de horas trabalhadas, mas através de melhorias nos processos técnicos de trabalho que aumentam a produtividade. Isso pode ser feito com máquinas mais rápidas, organização mais eficiente dos trabalhadores, ou avanços tecnológicos que diminuam o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir os meios de subsistência do trabalhador, barateando a força de trabalho.4Se o trabalho necessário antes levava 3 horas, com melhorias tecnológicas, ele pode ser feito em 1 hora, aumentando o trabalho excedente de 5 para 7 horas dentro de uma jornada de 8 horas, sem alterar o salário. A automação em indústrias, onde máquinas permitem dobrar a produção por hora, mas os salários permanecem os mesmos, é um exemplo contemporâneo.5

Marx quantifica o grau de exploração através da taxa de mais-valia, também conhecida como taxa de exploração. Esta é a relação entre a mais-valia (s) e o capital variável (v), que representa o valor da força de trabalho (salários). A fórmula é e = s/v. Uma taxa de mais-valia elevada indica um maior grau de exploração, significando que uma proporção maior do valor criado pelo trabalhador é apropriada pelo capitalista como lucro.4

A importância da taxa de mais-valia reside em sua capacidade de revelar a verdadeira dinâmica da apropriação de valor no capitalismo, indo além da mera observação dos salários. Marx enfatiza que um trabalhador com um salário nominalmente alto ainda pode ter uma taxa de exploração elevada se o valor que ele cria for muito superior ao que recebe. A busca incessante dos capitalistas por aumentar essa taxa, seja prolongando a jornada de trabalho (mais-valia absoluta) ou aumentando a produtividade (mais-valia relativa), é o motor da acumulação de capital e da intensificação das contradições de classe.4 A análise da mais-valia relativa revela uma implicação profunda: o avanço tecnológico, frequentemente celebrado como progresso universal, é, sob o capitalismo, fundamentalmente instrumentalizado para a intensificação da exploração. Ao permitir que o trabalhador produza mais valor em menos tempo, a tecnologia encurta o “trabalho necessário” (o tempo que o trabalhador leva para produzir o equivalente ao seu salário) e, consequentemente, prolonga o “trabalho excedente” (o tempo em que o trabalhador produz valor para o capitalista sem remuneração). Isso significa que, mesmo sem um aumento da jornada de trabalho, a exploração se aprofunda, e o capitalista se apropria de uma fatia maior da riqueza criada, demonstrando que a inovação tecnológica, em vez de libertar o trabalhador, pode aprisioná-lo ainda mais na lógica da acumulação.

Ao conceituar a mais-valia como o valor do trabalho não pago, Marx desloca a explicação do lucro de uma perspectiva puramente técnica ou meritocrática (eficiência, risco, inovação) para uma perspectiva de relações de poder e apropriação. O lucro, nesse sentido, não é primariamente uma recompensa pela “inteligência” ou “risco” do capitalista, mas o resultado direto de uma relação social desigual onde o capitalista detém os meios de produção e pode compelir o trabalhador a gerar valor além de sua remuneração. Isso implica que a acumulação de capital é inerentemente um processo de dominação e subordinação, e não apenas um reflexo da eficiência produtiva.

V. A Interconexão Dialética: Práxis, Exploração e Mais-Valia no Capitalismo

No capitalismo, a práxis humana, que Marx concebe como atividade consciente e transformadora, é profundamente moldada e distorcida pelas relações de produção. A força de trabalho, a própria capacidade de agir e criar, é transformada em uma mercadoria a ser vendida no mercado. Isso leva à alienação do trabalhador, que é separado do produto de seu trabalho, do processo de produção, de sua própria essência genérica (como ser criativo) e de seus semelhantes. O trabalho, que deveria ser uma atividade de auto-realização, torna-se um meio para um fim externo: a subsistência, enquanto o produto de seu esforço é apropriado por outrem.2

Essa reificação das relações sociais, onde as relações entre pessoas aparecem como relações entre coisas (mercadorias), subverte a práxis. A produção não visa mais a satisfação de necessidades humanas diretas, mas a acumulação de capital e a geração de mais-valia. A criatividade e a intencionalidade inerentes à práxis são subsumidas à lógica do lucro, resultando em uma desumanização do processo produtivo e da própria existência do trabalhador. A sociedade, em vez de ser um espaço de livre desenvolvimento da práxis, torna-se um campo de batalha onde a práxis é constrangida e explorada.3 A alienação, como um produto direto da exploração e da mais-valia, representa a distorção fundamental dessa práxis. O trabalhador, em vez de se realizar através do trabalho, é despojado de sua criatividade e controle, tornando-se um mero apêndice do processo produtivo. Isso não é apenas uma condição econômica, mas uma condição existencial que impede o pleno desenvolvimento humano. A interconexão aqui é que a exploração da mais-valia não apenas empobrece materialmente o trabalhador, mas também o aliena de sua própria humanidade, transformando sua práxis vital em uma atividade desumanizadora.

A apropriação da mais-valia é o mecanismo central que impulsiona a intensificação da exploração no capitalismo. A busca incessante por lucros maiores leva os capitalistas a maximizar a extração de trabalho não pago, seja através da extensão da jornada de trabalho (mais-valia absoluta) ou do aumento da produtividade (mais-valia relativa). Essa dinâmica gera uma espiral de intensificação, onde o desenvolvimento tecnológico e a organização do trabalho são direcionados para extrair o máximo de valor da força de trabalho, muitas vezes em detrimento das condições de vida e saúde dos trabalhadores.2

As contradições inerentes ao capitalismo, como a tendência à queda da taxa de lucro e as crises de superprodução, forçam os capitalistas a buscar novas formas de extrair mais-valia, levando a uma constante revolução nos meios de produção e nas relações de trabalho. Essa pressão competitiva e a necessidade de acumulação perpetuam e aprofundam a exploração, tornando-a uma característica sistêmica e inevitável do modo de produção capitalista, e não uma falha isolada.2 As crises capitalistas não são falhas acidentais do sistema, mas manifestações agudas da contradição dialética fundamental entre o desenvolvimento das forças produtivas (tecnologia, capacidade de produção) e as relações de produção (propriedade privada dos meios de produção e a apropriação da mais-valia). A busca incessante por mais-valia leva a um aumento da capacidade produtiva, mas a distribuição desigual da riqueza (devido à exploração) restringe a capacidade de consumo da maioria. Isso gera “crises de sobreprodução relativa” 4, onde a sociedade produz mais do que pode consumir de forma lucrativa, revelando a irracionalidade do sistema.

Diante da distorção da práxis e da intensificação da exploração, Marx postula a práxis revolucionária como o caminho para a superação das contradições capitalistas. Para ele, a libertação das massas só é possível através da luta de classes final, que visa a dissolução das divisões de classe e a emancipação de toda a humanidade. A práxis revolucionária é a unificação da teoria (a compreensão crítica do capitalismo) e da prática (a ação coletiva para transformá-lo). Não basta interpretar o mundo; é preciso mudá-lo.1

A práxis revolucionária implica que a transformação histórica não é alcançada apenas pelo pensamento, mas pela ação coletiva dos oprimidos. O proletariado, sendo a classe cujos interesses são diametralmente opostos aos do capital, é a força motriz dessa transformação. A tomada do poder político, mesmo que por meios violentos e como uma “ditadura do proletariado” temporária, é vista como um passo necessário para desmantelar o modo de apropriação burguês e a propriedade privada, visando, em última instância, uma sociedade comunista onde “o livre desenvolvimento de cada um é a condição para o livre desenvolvimento de todos”.2 A práxis revolucionária, nesse contexto, não é apenas uma escolha ideológica, mas uma necessidade histórica imposta pela incapacidade do capitalismo de resolver suas próprias contradições internas.

VI. Escolas e Vertentes do Pensamento Marxista sobre Exploração e Mais-Valia

Após a Primeira Guerra Mundial e a consolidação da União Soviética, uma vertente do marxismo, conhecida como Marxismo Ocidental, emergiu, caracterizada por um retorno à filosofia e uma crítica ao dogmatismo do materialismo dialético soviético. Pensadores como Antonio Gramsci, Karl Korsch e György Lukács, e posteriormente a Escola de Frankfurt (com figuras como Max Horkheimer), buscaram uma articulação mais profunda entre teoria e práxis, pertinente aos seus contextos, mas sempre à luz dos ideais libertários e crítico-teóricos de Marx. Essa revisão se afastou do economicismo e do cientificismo positivista que marcou algumas interpretações do marxismo.1

Max Horkheimer, por exemplo, buscou construir um caminho alternativo para o Materialismo Histórico e Interdisciplinar, revisando-o através da problematização teórica sem perder de vista as implicações pragmáticas defendidas por Marx. Esse esforço visava superar as antinomias do marxismo revolucionário e partidário, e o esgotamento da economia política sob o jugo de um materialismo científico acrítico. A Teoria Crítica, formulada por Horkheimer, tinha como objetivo uma tarefa epistemológica socialmente ativa: esclarecer as forças da desigualdade social e guiar as forças políticas para a emancipação social, respondendo à tese de Marx de que “os filósofos apenas interpretaram o mundo; o ponto é transformá-lo”.1

A Teoria da Dependência, especialmente desenvolvida por Ruy Mauro Marini, introduziu o conceito de “superexploração da força de trabalho” para explicar as especificidades do capitalismo nos países periféricos. Marini argumentava que, devido às relações desiguais com as potências imperialistas e a transferência de valor dos países dependentes para os centros, era necessário um mecanismo compensatório interno. Esse mecanismo se manifestava em uma exploração mais intensa dos trabalhadores, através de maior intensidade de trabalho, prolongamento das jornadas e/ou sub-remuneração (pagamento da força de trabalho abaixo de seu valor).9

No entanto, a atribuição de uma “teoria da superexploração” ao próprio Marx em O Capital gerou um debate significativo. Autores como Nascimento, Dillenburg e Sobral (2015) argumentaram que Marx reconhecia a existência de uma superexploração (pagamento da força de trabalho abaixo de seu valor, levando à reprodução em condições subnormais), distinguindo-a da exploração “normal” como uma diferença de tipo, não apenas de grau. Em contrapartida, Corrêa e Carcanholo (2016) refutaram essa tese, afirmando que a categoria de “superexploração” é alheia ao arcabouço categorial de Marx. Para eles, as instâncias de pagamento da força de trabalho abaixo de seu valor são formas concretas de intensificar a taxa de mais-valia (exploração), mas não constituem uma categoria teórica distinta no nível de abstração fundamental de Marx. Eles criticam a interpretação de Nascimento et al. por levar a uma crítica moral do capitalismo, distante da análise objetiva de Marx, e por implicar que, sem “superexploração”, não haveria razão revolucionária.9

Tabela 2: Distinções entre Exploração e Superexploração (no debate da Teoria da Dependência)

CaracterísticaExploração (Marx, via Corrêa e Carcanholo)Superexploração (Marini, e Nascimento et al. em sua leitura de Marx)
Pagamento da Força de TrabalhoGeralmente ao seu valor (troca de equivalentes), permitindo reprodução normal.9Abaixo do seu valor, levando à reprodução em condições subnormais.9
Natureza da ApropriaçãoUtilização da força de trabalho para produzir valor excedente (mais-valia).9Espoliação da força de trabalho; exploração excessiva/brutal.9
DiferençaGrau da taxa de mais-valia (s/v).9Diferença de tipo, não apenas de grau.9
Contexto PrincipalModo de produção capitalista em geral.9Capitalismo dependente/periférico (para Marini).9
Implicação PolíticaLuta de classes inerente à relação capital-trabalho.9Necessidade de compensar transferência de valor (Marini); impulso revolucionário mais agudo (Nascimento et al.).9
Relevância para MarxCategoria central e fundacional.9Não é uma categoria explícita ou fundamental no arcabouço de Marx (Corrêa e Carcanholo).9

Essas vertentes revelam uma tensão fundamental no marxismo: como aplicar as categorias abstratas de Marx (como valor e exploração) para analisar a complexidade e as mudanças históricas do capitalismo sem diluir sua essência teórica. O debate sobre superexploração, por sua vez, questiona se certas manifestações brutais da exploração exigem uma nova categoria ou se são apenas variações na taxa de mais-valia. Essa discussão demonstra que a vitalidade do marxismo reside em sua capacidade de se adaptar, mas essa adaptação constantemente testa os limites de suas abstrações originais e gera debates sobre a “ortodoxia” e a “relevância” da teoria.

A Escola Francesa da Regulação (AR) surgiu em meados da década de 1970 com o objetivo de desenvolver e atualizar a análise de Marx sobre o modo de produção capitalista, buscando compreender as transformações econômicas do século XX, como a estagflação. Fundadores como Robert Boyer e Michel Aglietta buscaram superar o marxismo convencional e os limites dos modelos keynesianos, construindo conceitos intermediários entre os de Marx e as variáveis econômicas atuais para entender as mudanças pós-guerra.10

A AR introduziu conceitos-chave: formas institucionais (como a relação salarial, a moeda, a concorrência, o Estado e a inserção internacional se manifestam historicamente), regime de acumulação (como os ganhos de produtividade são obtidos e difundidos) e modo de regulação (o arcabouço institucional que garante a viabilidade de um regime de acumulação específico). O fordismo, por exemplo, foi analisado como a conjunção de um regime de acumulação intensiva com um modo de regulação monopolista. A escola também desenvolveu uma tipologia das crises econômicas.10

Com o tempo, a AR se afastou de uma pretensão de conjugar a análise geral do capitalismo baseada em Marx com uma abordagem histórica, adotando um ponto de vista mais historicista e institucional. Isso gerou críticas, como a de que a escola teria perdido uma visão geral do capitalismo ao se distanciar da teoria básica de Marx, e que sua concepção pré-teórica do capitalismo (baseada em crescimento estável e compromissos institucionalizados) era inadequada para compreender o capitalismo contemporâneo, especialmente o financeiro.10

O início do século XXI testemunhou uma série de revisitacões críticas da teoria marxista, impulsionadas pela expansão do trabalho imaterial e intelectual e o avanço das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs). O debate questiona a validade da teoria do valor-trabalho em um contexto onde a produção de valor parece cada vez mais ligada ao conhecimento, à comunicação e à criatividade, e menos ao trabalho manual direto. Autores influenciados pelos Grundrisse de Marx, como Gorz e Hardt & Negri, exploraram o conceito de general intellect e a possibilidade de uma ruptura das forças produtivas com as relações capitalistas.12

Essas transformações também levaram a uma reinterpretação da teoria das classes sociais de Marx, dada a nova divisão internacional do trabalho, a redução de empregos fabris no Ocidente e o crescimento de setores administrativos e de serviços. A fragmentação da classe trabalhadora, impulsionada por novas formas de contratação (como home office e contratos desregulados) e o crescimento de startups, apresenta desafios para a mobilização de classe e a ação sindical. O debate contemporâneo também busca integrar a análise de classe com as dimensões de gênero e raça, reconhecendo as diferenças nos níveis de exploração e nas condições de trabalho.12 A emergência do trabalho imaterial e a reestruturação produtiva no século XXI criam uma contradição aparente para a teoria marxista: se o valor é gerado pelo trabalho, como explicar a riqueza em uma economia onde o trabalho parece menos “material”? O entendimento é que, apesar das mudanças nas formas de trabalho, a “centralidade do trabalho” como fonte de valor e exploração permanece, mas exige uma redefinição e ampliação do que se entende por “trabalho produtivo” e “classe trabalhadora”.12 A fragmentação e as novas formas de contratação não eliminam a exploração, mas a reconfiguram, tornando mais complexa a identificação e a mobilização da classe, mas não invalidando a tese fundamental da apropriação da mais-valia.

VII. Críticas e Revisitacões às Teorias Marxistas da Exploração e Mais-Valia

Dentro do próprio campo marxista, a teoria do valor-trabalho e da exploração tem sido objeto de intensos debates e revisitações. Uma das discussões mais proeminentes é o “problema da transformação”, que questiona como os valores-trabalho (teóricos) se convertem em preços de produção (observáveis no mercado) de forma consistente. Embora Marx tenha abordado essa questão no Volume III de O Capital, ela continua a ser um ponto de discórdia e desenvolvimento teórico, com diferentes escolas buscando soluções ou reinterpretações.

Além disso, a emergência de novas realidades produtivas, como o trabalho imaterial e a economia de serviços, levou a questionamentos sobre a aplicação direta da teoria do valor-trabalho. O debate se concentra em como o valor é gerado e apropriado em setores onde a “materialidade” do produto do trabalho é menos evidente, e como as relações de classe se reconfiguram nesse novo cenário. Essas discussões, embora críticas, visam fortalecer e atualizar a análise marxista, adaptando-a aos desafios do capitalismo contemporâneo.12

Críticas Não-Marxistas

Críticos não-marxistas, como Vladimir Karpovich Dmitriev e Ladislaus von Bortkiewicz, argumentaram que a Teoria do Valor-Trabalho de Marx e sua lei da “Tendência da Taxa de Lucro a Cair” são internamente inconsistentes. Eles afirmam que as conclusões de Marx não seguem logicamente de suas premissas teóricas. Se esses supostos erros forem corrigidos, a conclusão de Marx de que o preço e o lucro agregados são determinados por – e iguais a – o valor e a mais-valia agregados não se sustentaria, desafiando sua teoria de que a exploração dos trabalhadores é a única fonte de lucro.13

Em relação à “Tendência da Taxa de Lucro a Cair”, o Teorema de Okishio (1961) é frequentemente citado como uma refutação. Okishio sugeriu que, se os capitalistas buscam técnicas de redução de custos e os salários reais não aumentam, a taxa de lucro deveria, na verdade, aumentar, contrariando a previsão de Marx. Essas críticas apontam para falhas lógicas e empíricas na estrutura econômica marxista, desafiando sua capacidade de prever ou explicar as dinâmicas capitalistas.13

A Escola Austríaca de economia rejeita fundamentalmente a Teoria do Valor-Trabalho, que é a base da análise marxista da exploração. Em vez disso, eles defendem a teoria subjetiva do valor, conforme apresentada por Carl Menger em seu livro Princípios de Economia. Para os austríacos, o valor de uma mercadoria não é determinado pela quantidade de trabalho incorporado nela, mas sim pela utilidade marginal que ela proporciona ao consumidor, ou seja, pela sua capacidade de satisfazer necessidades e desejos individuais.13

Essa perspectiva implica que o lucro não é o resultado da exploração do trabalho, mas uma recompensa pela capacidade do empreendedor de antecipar e satisfazer as necessidades dos consumidores, alocar recursos de forma eficiente e assumir riscos. Ludwig von Mises, por exemplo, questionou a possibilidade de assimilar diferentes tipos de trabalho a um denominador comum sem a avaliação do consumidor sobre os produtos, concluindo que o argumento de Marx nesse ponto falhava. Para a Escola Austríaca, a intervenção estatal e a ausência de mercados livres distorcem os preços e a alocação de recursos, levando a ineficiências, e não a uma exploração inerente ao sistema de mercado.13 Uma das divisões mais profundas e fundamentais na teoria econômica reside no paradigma da subjetividade versus objetividade na teoria do valor. Marx, com a Teoria do Valor-Trabalho, propõe uma base objetiva para o valor (o trabalho socialmente necessário), que é a pedra angular de sua teoria da exploração. A Escola Austríaca, ao contrário, defende uma base subjetiva para o valor (utilidade marginal percebida pelo consumidor). Se o valor é subjetivo, então a ideia de que o trabalho é a única fonte de valor e que o lucro deriva da apropriação de trabalho não pago perde sua validade. O lucro passa a ser visto como uma recompensa pela satisfação das preferências do consumidor e pela gestão eficiente do capital e do risco. Essa distinção é crucial porque expõe a incompatibilidade fundamental entre as premissas marxistas e liberais, não apenas em suas conclusões, mas em sua própria compreensão da realidade econômica.

O economista britânico Alfred Marshall, uma figura central da economia neoclássica, também criticou Marx, argumentando que a produção em uma fábrica não é unicamente o produto do trabalho dos operários, mas também do trabalho do empregador e dos gerentes subordinados, além do capital empregado. Marshall enfatizou que o capitalista sacrifica dinheiro que poderia usar imediatamente para investir em negócios, o que, em última análise, gera trabalho e produtividade. Para ele, o capitalista contribui para o trabalho e a produtividade da fábrica ao adiar a gratificação através do investimento.13

Marshall também utilizou a lei da oferta e da demanda para criticar a teoria do valor de Marx. Ele argumentou que o preço ou valor é determinado não apenas pela oferta (custo de produção, incluindo trabalho), mas também pela demanda do consumidor. Assim, enquanto o trabalho contribui para o custo de produção, os desejos e necessidades dos consumidores também desempenham um papel crucial na determinação do valor e, consequentemente, do lucro. Essas críticas buscam oferecer uma explicação mais abrangente e multifatorial para a formação de preços e a geração de lucros, que não se restringe à exploração do trabalho.13 A perspectiva de Marshall e outros críticos amplia a visão da criação de riqueza para além do trabalho direto do operário. Ao incluir o “trabalho” do capitalista (gerenciamento, risco, investimento) e a influência da demanda, eles introduzem múltiplos fatores na equação do valor e do lucro. Para essas escolas, o lucro não é apenas mais-valia, mas uma remuneração multifacetada que reflete a contribuição de diferentes agentes e fatores de produção (capital, terra, trabalho, empreendedorismo) e a interação complexa entre oferta e demanda no mercado. Isso desafia a centralidade da exploração do trabalho como a única ou principal fonte de lucro, sugerindo que a riqueza é gerada por uma rede mais complexa de interações econômicas.

VIII. Conclusão: Relevância Contemporânea e Perspectivas Futuras

A análise da práxis capitalista, da exploração e da mais-valia, conforme desenvolvida por Karl Marx e reinterpretada por diversas escolas de pensamento, revela um arcabouço teórico robusto para a compreensão das dinâmicas do capitalismo. A práxis, entendida como atividade humana consciente e transformadora, é central à crítica marxista, pois é precisamente essa capacidade humana que é distorcida e alienada sob o capitalismo, onde o trabalho se torna uma mercadoria e um meio para a apropriação de valor. A exploração, por sua vez, não é um mero subproduto, mas a essência das relações de classe, manifestando-se na apropriação da mais-valia – o valor do trabalho não pago – que constitui a fonte do lucro capitalista.

A interconexão dialética desses conceitos demonstra que a busca incessante por mais-valia impulsiona a intensificação da exploração, moldando e distorcendo a práxis humana e gerando as contradições internas que levam às crises capitalistas. A práxis revolucionária emerge, assim, como a resposta necessária para superar essas contradições e alcançar a emancipação humana.

No século XXI, as teorias marxistas continuam a ser relevantes, embora enfrentem novos desafios e debates. O Marxismo Ocidental e a Teoria da Dependência, por exemplo, demonstram a capacidade de adaptação e aprofundamento da análise marxista a contextos específicos e a novas realidades, como a “superexploração” em países periféricos. A Escola da Regulação, com suas raízes marxistas, oferece ferramentas para analisar a evolução institucional do capitalismo, enquanto as discussões sobre trabalho imaterial e a centralidade do trabalho questionam e redefinem a aplicação da teoria do valor-trabalho em uma economia em constante transformação.

As críticas não-marxistas, embora desafiem a consistência interna e a universalidade da teoria do valor-trabalho, principalmente através da teoria subjetiva do valor e da inclusão de múltiplos fatores na geração de riqueza, servem para refinar e aprofundar o debate. Elas forçam a teoria marxista a se autoavaliar e a se posicionar em relação a explicações alternativas para o funcionamento econômico.

Em suma, os conceitos de práxis, exploração e mais-valia permanecem ferramentas analíticas cruciais para decifrar as desigualdades persistentes, a financeirização da economia e as complexas relações de poder no capitalismo contemporâneo. A vitalidade do marxismo reside em sua capacidade de se engajar criticamente com as transformações do mundo, oferecendo uma perspectiva que não apenas interpreta a realidade, mas busca as condições para sua transformação.

Histórico e Genealogia Conceitual da Exploração e Mais-Valia

A compreensão da “práxis capitalista”, da exploração e da mais-valia exige uma imersão profunda em suas raízes históricas e etimológicas, revelando como esses conceitos evoluíram e se transformaram ao longo do tempo, especialmente sob a lente da crítica marxista. Longe de serem estáticos, eles representam um campo dinâmico de debates e reinterpretações que continuam a moldar a análise socioeconômica contemporânea.

I. O Conceito de Práxis: Da Filosofia Clássica à Ação Transformadora

A jornada do termo “práxis” começa na Grécia Antiga, onde Aristóteles, em sua Metafísica, estabeleceu uma distinção fundamental entre theoria (contemplação) e praxis (ação). Para o filósofo grego, a práxis referia-se a uma ação que possuía um fim em si mesma, intrínseca à atividade humana e voltada para a perfeição do agente, como se observa na ética e na política. Essa concepção clássica delineava a práxis como uma esfera de ação moral e política, diferenciando-a da poiesis (produção, que tem um fim externo) e da theoria (conhecimento contemplativo).1

No entanto, foi com Karl Marx que o conceito de práxis sofreu uma ressignificação radical, tornando-se um pilar central de sua teoria social. No léxico marxista, a práxis é entendida como uma ação auto-criativa, consciente e proposital, que se distingue de comportamentos meramente instintivos. Ela é caracterizada por uma relação dialética intrínseca com a teoria: a ação humana é informada por considerações teóricas, e a teoria, por sua vez, é validada e transformada pela experiência prática. A atividade revolucionária, nesse sentido, busca a unificação indissociável entre teoria e práxis, um marco de virada que deslocou o foco da filosofia da mera interpretação para a transformação do mundo.1

Marx argumentava que a vida social é essencialmente prática, e que os “mistérios” da teoria encontram sua solução racional na práxis humana e na compreensão dessa práxis. Essa perspectiva é enfaticamente expressa na sétima tese de suas “Teses sobre Feuerbach”, onde ele postula que a experiência humana é o espaço central para a articulação de todo o conhecimento. Marx criticava a filosofia tradicional por seu papel contemplativo e seu distanciamento das esferas política e intelectual, defendendo que a incompletude filosófica derivava de uma incompreensão do pensamento, da história, da sociedade e do mundo.1 A famosa décima primeira tese sobre Feuerbach, “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diversas maneiras; o objetivo é transformá-lo”, sintetiza essa reorientação fundamental, estabelecendo a práxis não apenas como um “fazer”, mas como um “fazer consciente e transformador”.1

Embora Marx não tenha sistematizado explicitamente formas distintas de práxis, sua obra destaca três dimensões interligadas que sofreram mutações de sentido ao serem aplicadas ao capitalismo. A práxis filosófica (ou teórica), para Marx, não é uma mera interpretação, mas um guia para a ação revolucionária. A práxis produtiva é a base fundamental, referindo-se à atividade de produção de bens, onde a força humana molda a matéria e lhe confere valor, que é então apropriado privadamente pelo capital. A práxis política (ou revolucionária) é a forma mais elevada de atividade transformadora, envolvendo a ação humana dirigida aos próprios seres humanos, lidando com a organização e modificação de grupos em torno do poder do Estado, visando a libertação das massas através da luta de classes.2

Após a Primeira Guerra Mundial, com a consolidação da União Soviética, emergiu o Marxismo Ocidental, uma vertente que marcou uma ruptura com o dogmatismo do materialismo dialético soviético. Pensadores como Antonio Gramsci, Karl Korsch e György Lukács, e posteriormente a Escola de Frankfurt (com figuras como Max Horkheimer), buscaram uma articulação mais profunda entre teoria e práxis, pertinente aos seus contextos, mas sempre à luz dos ideais libertários e crítico-teóricos de Marx. Essa revisão se afastou do economicismo e do cientificismo positivista, buscando uma tarefa epistemológica socialmente ativa: esclarecer as forças da desigualdade social e guiar as forças políticas para a emancipação social, respondendo à tese de Marx de que “os filósofos apenas interpretaram o mundo; o ponto é transformá-lo”.1

II. Exploração Capitalista: A Gênese Histórica de uma Relação Desigual

O conceito de exploração, embora presente em discussões sobre desigualdade em diversas épocas, adquire uma definição formal e um significado radicalmente novo com Karl Marx. Diferente de uma falha moral ou um acidente, a exploração, no sistema marxista, é uma característica intrínseca e um mecanismo fundamental para a geração de lucro e a acumulação de capital. Sua origem teórica reside na teoria do valor-trabalho, que postula que o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário para produzi-la.4

Marx argumenta que, no capitalismo, o trabalhador é “livre” para vender sua força de trabalho como uma mercadoria no mercado. No entanto, essa “liberdade” é uma condição necessária para a exploração, pois o trabalhador, desprovido dos meios de produção, é obrigado a vender sua única posse – sua capacidade de trabalhar – ao capitalista para sobreviver. A exploração ocorre porque o valor que o trabalhador é capaz de produzir durante sua jornada de trabalho é superior ao valor de sua própria força de trabalho (salário), que é o custo de sua subsistência e reprodução. A diferença entre o valor que o trabalhador produz e o valor que ele recebe como salário é o que Marx chama de mais-valia, a fonte do lucro capitalista.4

A Revolução Industrial, com suas fábricas e a crescente proletarização da força de trabalho, serviu como o pano de fundo empírico para as observações de Marx sobre a exploração. Ele testemunhou as precárias condições de vida e trabalho dos operários industriais, com escasso acesso a educação, moradia, alimentação e proteção dos direitos trabalhistas. Essa realidade impulsionou sua análise crítica, revelando como o desenvolvimento tecnológico e a grande indústria, ao invés de libertar o trabalhador, intensificavam a apropriação do trabalho não pago, levando ao crescimento de uma classe trabalhadora pauperizada e explorada.1

Um marco importante e uma ruptura no debate marxista sobre exploração surgiu com a Teoria da Dependência, especialmente desenvolvida por Ruy Mauro Marini. Marini introduziu o conceito de “superexploração da força de trabalho” para explicar as especificidades do capitalismo nos países periféricos. Ele argumentava que, devido às relações desiguais com as potências imperialistas e a transferência de valor dos países dependentes para os centros, era necessário um mecanismo compensatório interno. Esse mecanismo se manifestava em uma exploração mais intensa dos trabalhadores, através de maior intensidade de trabalho, prolongamento das jornadas e/ou sub-remuneração (pagamento da força de trabalho abaixo de seu valor).7

No entanto, a atribuição de uma “teoria da superexploração” ao próprio Marx em O Capital gerou um debate significativo. Autores como Nascimento, Dillenburg e Sobral (2015) argumentaram que Marx reconhecia a existência de uma superexploração, distinguindo-a da exploração “normal” como uma diferença de tipo, não apenas de grau. Em contrapartida, Corrêa e Carcanholo (2016) refutaram essa tese, afirmando que a categoria de “superexploração” é alheia ao arcabouço categorial de Marx, e que as instâncias de pagamento da força de trabalho abaixo de seu valor são formas concretas de intensificar a taxa de mais-valia (exploração), mas não constituem uma categoria teórica distinta no nível de abstração fundamental de Marx.8 Esse debate ilustra a complexidade e as tensões internas na interpretação e aplicação das categorias marxistas ao longo da história.

III. Mais-Valia: A Evolução de um Conceito Central para a Crítica do Capital

A “mais-valia” (do alemão Mehrwert) é o conceito central da teoria econômica de Karl Marx e representa sua interpretação do lucro no sistema capitalista. Sua origem formal está na obra seminal de Marx, O Capital, onde ele a define como o valor excedente que o trabalhador produz além do valor de sua própria força de trabalho, e que é apropriado gratuitamente pelo capitalista. Em outras palavras, é o valor gerado pelo “trabalho excedente” – as horas ou o valor que o trabalhador cumpre ou gera pelos quais não é remunerado.4

Marx detalhou duas modalidades principais de extração da mais-valia, que refletem diferentes estratégias capitalistas para aumentar o lucro. A mais-valia absoluta é extraída pelo prolongamento da jornada de trabalho, além do tempo necessário para o trabalhador produzir o valor de sua subsistência, sem um aumento proporcional no salário. Já a mais-valia relativa é obtida sem alterar o número de horas trabalhadas, mas através de melhorias nos processos técnicos de trabalho que aumentam a produtividade. Isso pode ser feito com máquinas mais rápidas, organização mais eficiente dos trabalhadores, ou avanços tecnológicos que diminuam o tempo de trabalho socialmente necessário para produzir os meios de subsistência do trabalhador, barateando a força de trabalho.4

A teoria da mais-valia teve um impacto profundo na compreensão das crises capitalistas. A Crise de 1929, por exemplo, demonstrou empiricamente como a concentração de renda no topo (resultado da apropriação da mais-valia) eliminou os consumidores necessários para fechar o ciclo de oferta e demanda, evidenciando que o limite ao consumo é uma consequência da distribuição injusta. Embora Keynes, defensor do capitalismo, não utilizasse termos marxistas, sua análise da “falta de demanda efetiva” e a necessidade de o Estado intervir para transformar trabalhadores em consumidores, a fim de reativar a economia, pode ser vista como uma resposta prática às contradições geradas pela mais-valia.9

Com o advento do neoliberalismo a partir dos anos 1980, o conceito de mais-valia ganhou novas camadas de interpretação, especialmente em relação à financeirização da economia. Marx já havia observado que a crescente mais-valia apropriada pela elite seria o fundamento do que ele denominou “capital fictício” – um capital economicamente improdutivo que não participa do ciclo de produção e consumo, mas serve a propósitos políticos. A austeridade, nesse contexto, é apresentada como um novo formato do conflito de classes, onde o capital fictício influencia a esfera política, buscando transformar tudo em um capitalismo majoritariamente financeiro e rentista, reproduzindo os erros pré-1929 e visando o lucro por espoliação.9

No século XXI, a teoria da mais-valia continua a ser revisitada e debatida, especialmente diante da expansão do trabalho imaterial e intelectual e o avanço das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs). O debate questiona a validade da teoria do valor-trabalho em um contexto onde a produção de valor parece cada vez mais ligada ao conhecimento, à comunicação e à criatividade, e menos ao trabalho manual direto. Autores influenciados pelos Grundrisse de Marx exploraram o conceito de general intellect e a possibilidade de uma ruptura das forças produtivas com as relações capitalistas. Paralelamente, críticos não-marxistas, como os da Escola Austríaca de economia, rejeitam a Teoria do Valor-Trabalho em favor da teoria subjetiva do valor, argumentando que o lucro não é resultado da exploração, mas uma recompensa pela capacidade empreendedora de satisfazer necessidades e assumir riscos, marcando uma profunda divisão paradigmática na teoria econômica.8

Exploração e Mais-Valia em Perspectiva Interdisciplinar

A práxis capitalista, compreendida como a totalidade das atividades humanas e sociais estruturadas pelo modo de produção capitalista, configura um campo de estudo intrincado e multifacetado. No cerne desta práxis, Karl Marx identificou os conceitos de exploração e mais-valia como mecanismos basilares que impulsionam a acumulação de capital e moldam as relações sociais. A exploração, nesse contexto, refere-se à apropriação do trabalho não pago, enquanto a mais-valia é o valor excedente gerado pelo trabalhador que não lhe é restituído sob a forma de salário, constituindo a fonte primária do lucro capitalista.

Para se alcançar uma compreensão aprofundada da práxis capitalista, torna-se imperativa uma abordagem interdisciplinar. As manifestações e os impactos desse fenômeno transcendem as fronteiras de uma única área do conhecimento. Ao mapear como a exploração e a mais-valia são abordadas em disciplinas como economia, sociologia, filosofia e artes, é possível identificar convergências que solidificam a centralidade desses conceitos, divergências que revelam nuances interpretativas e intersecções que enriquecem a análise do capitalismo contemporâneo. A complexidade inerente à práxis capitalista e aos seus mecanismos de exploração e mais-valia demanda uma análise que transcenda as limitações de uma única disciplina. Se a práxis capitalista é um fenômeno que abrange a esfera econômica, social, cultural e do pensamento, nenhuma disciplina isolada pode oferecer uma explicação completa. A interconexão dos conceitos de exploração e mais-valia com a vida social, o pensamento, a produção e a expressão artística implica que a análise de uma disciplina se beneficia e é complementada pelas outras, revelando camadas mais profundas de significado e impacto. Este relatório busca oferecer uma visão didática e informacional sobre essas abordagens, fornecendo exemplos acadêmicos e práticos para ilustrar sua relevância contínua.

Fundamentos Marxistas: Exploração e Mais-Valia

A Teoria do Valor-Trabalho e a Essência da Exploração

A teoria da mais-valia de Karl Marx está intrinsecamente ligada à sua teoria do valor-trabalho, a qual postula que o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário para produzi-la. No sistema capitalista, a força de trabalho do operário é concebida como uma mercadoria, cujo valor é determinado pelo tempo de trabalho necessário para produzir os meios de subsistência do trabalhador, ou seja, seu salário.1 Contudo, o trabalhador, ao longo de sua jornada, é capaz de produzir um valor superior ao valor de sua própria força de trabalho. Essa diferença, o valor criado que excede o salário pago, é a mais-valia, que é apropriada pelo capitalista.1

A exploração, para Marx, não se configura como um acidente ou uma falha moral do capitalismo, mas sim como uma característica inerente e fundamental para a geração de lucro e a acumulação de capital. A separação entre os detentores da força de trabalho (proletários) e os detentores dos meios de produção (capitalistas) permite a compra da força de trabalho por seu valor (salário), que é inferior ao valor que o trabalhador cria no processo produtivo. A taxa de exploração, ou taxa de mais-valia (e = s/v), quantifica essa relação, sendo a razão entre a mais-valia (s) e o capital variável (v), que representa o valor da força de trabalho.1 Se o valor é gerado pelo trabalho e o trabalhador não recebe o valor total que produz, a apropriação da diferença (mais-valia) é a essência do lucro capitalista. Isso estabelece uma relação causal direta entre o trabalho não pago e a acumulação de capital. A “exploração” não é um julgamento moral, mas uma descrição objetiva do mecanismo de funcionamento do capitalismo, o que possui implicações profundas para a luta de classes e a busca por transformação social.

Modalidades de Mais-Valia: Absoluta e Relativa

Marx identificou duas formas principais de extração de mais-valia, que os capitalistas empregam para maximizar seus lucros. A primeira é a mais-valia absoluta, gerada pelo prolongamento da jornada de trabalho ou pelo aumento do número de trabalhadores empregados, sem um aumento proporcional no salário.1 Por exemplo, se o salário de um trabalhador é coberto pela riqueza produzida em cinco horas de trabalho, mas ele é obrigado a trabalhar oito horas, as três horas adicionais de trabalho não remunerado constituem a mais-valia absoluta. Um exemplo prático contemporâneo é a expectativa de que funcionários estejam disponíveis fora do horário de trabalho regular sem remuneração adicional, como em e-mails e chamadas de trabalho após o expediente.5

A segunda modalidade é a mais-valia relativa, que surge do aumento da produtividade do trabalho. Isso é alcançado através da introdução de novas tecnologias, métodos de produção mais eficientes ou reorganização do processo de trabalho, permitindo que o trabalhador produza mais riqueza em um período de tempo menor, mantendo o mesmo salário.1 Por exemplo, se uma nova máquina permite que o trabalhador produza o mesmo valor em menos tempo, o tempo “liberado” dentro da jornada de trabalho torna-se trabalho excedente, aumentando a mais-valia relativa. A automação industrial, onde máquinas dobram a produção por hora sem aumento salarial, é um exemplo contemporâneo claro de mais-valia relativa.5 A busca por mais-valia relativa impulsiona a inovação tecnológica no capitalismo. Embora pareça benéfica por gerar maior produção, essa inovação intensifica a exploração ao reduzir o tempo de trabalho necessário e aumentar o excedente, sem que o trabalhador seja beneficiado com aumento de salário. A competição capitalista força a busca por maior produtividade (mais-valia relativa), o que leva à automação e novas tecnologias. O que se depreende é que o progresso tecnológico sob o capitalismo não visa primariamente a libertação do trabalho humano, mas a maximização do lucro através da intensificação da exploração, o que pode levar a um “exército industrial de reserva” (desemprego) e precarização do trabalho.1

Tabela 1: Modalidades de Mais-Valia e Exemplos

Tipo de Mais-ValiaDefiniçãoMecanismo de ExtraçãoExemplo Acadêmico (Marx)Exemplo Prático/Contemporâneo
AbsolutaValor gerado pelo prolongamento da jornada de trabalho.Aumento da duração da jornada de trabalho ou do número de trabalhadores, sem aumento proporcional do salário.Se o salário é coberto em 10 dias, mas o trabalhador trabalha 30 dias, 20 dias são de mais-valia. 4Expectativa de disponibilidade fora do horário de trabalho (e-mails, chamadas) sem remuneração adicional. 5
RelativaValor gerado pelo aumento da produtividade do trabalho.Introdução de novas tecnologias, métodos de produção mais eficientes ou reorganização do trabalho, reduzindo o tempo de trabalho necessário.Se o trabalho necessário antes levava 3 horas e agora leva 1 hora devido a novas tecnologias, o trabalho excedente aumenta. 2Automação industrial que dobra a produção por hora sem aumento salarial, aumentando o lucro da empresa. 5

A Práxis Marxista: Conceito e Dimensões

O conceito de práxis em Marx é central para sua filosofia e crítica ao capitalismo, representando uma ação humana intencional e transformadora, que abrange tanto mudanças materiais externas quanto modificações subjetivas e sociais internas. Diferente da theoria contemplativa aristotélica, a práxis marxista é entendida em uma relação dialética com a teoria, onde a verdade do pensamento humano se prova na prática.7 A práxis é a totalidade das atividades humanas que moldam a realidade, e para Marx, a vida social é essencialmente prática, encontrando sua solução racional na compreensão e transformação dessa práxis.7

Marx não sistematizou explicitamente distintas formas de práxis, mas sua obra destaca três dimensões interconectadas. A práxis filosófica (ou teórica) é uma teoria que se reconhece limitada e busca transcender-se pela conexão consciente com a prática, servindo como guia para a ação revolucionária e a transformação radical do mundo. A famosa 11ª tese sobre Feuerbach – “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diversas maneiras; a questão é transformá-lo” – encapsula essa dimensão.7 A práxis produtiva é a base fundamental, referindo-se à atividade de produção de bens na sociedade, onde o trabalho humano transforma a natureza e, ao fazê-lo, humaniza-a e cria valor. No capitalismo, essa práxis é distorcida pela apropriação privada do valor.8 Por fim, a práxis política (ou revolucionária) é a forma mais elevada de atividade transformadora, direcionada à organização e modificação de grupos humanos em torno do poder do Estado, manifestando-se na luta de classes e buscando a emancipação humana através da superação do capitalismo.8 A práxis marxista propõe uma relação dialética indissociável entre teoria e prática. Isso implica que o conhecimento não é meramente contemplativo, mas um motor para a mudança social. A alienação do trabalho no capitalismo (práxis produtiva distorcida) é a base para a necessidade da práxis política revolucionária, que é guiada pela práxis filosófica. Se a teoria e a prática são inseparáveis (práxis), então a compreensão das contradições do capitalismo (teoria) deve levar à ação para transformá-lo (prática). A alienação no trabalho, que desumaniza o trabalhador, cria a condição objetiva para a necessidade de uma práxis revolucionária. A práxis, portanto, não é apenas um conceito descritivo, mas um imperativo para a libertação humana frente à exploração capitalista.

Abordagens Disciplinares da Práxis Capitalista, Exploração e Mais-Valia

Economia

A disciplina da Economia aborda a práxis capitalista, exploração e mais-valia principalmente através da análise da acumulação de capital, das crises inerentes ao sistema e do desenvolvimento de escolas de pensamento que buscam atualizar ou criticar a teoria marxista. Para Marx, a busca incessante pela realização da mais-valia e sua transformação em lucro impulsiona a acumulação de capital, levando à concorrência e à introdução de tecnologia, que, por sua vez, aumenta a produtividade e a mais-valia relativa.1 Este processo, no entanto, gera contradições, como o “exército industrial de reserva” (desemprego) e crises de sobreprodução relativa, que são vistas como soluções violentas e temporárias das contradições internas do sistema, necessárias para restaurar as taxas de lucro.1

Duas vertentes importantes que dialogam com o marxismo na economia são a Escola Francesa da Regulação (AR) e a Teoria Marxista da Dependência (TMD). A AR, surgida na década de 1970, buscou atualizar a análise de Marx sobre o modo de produção capitalista para compreender as transformações econômicas do século XX, desenvolvendo conceitos como regime de acumulação, modo de regulação e formas institucionais (relação salarial, moeda, concorrência, Estado, inserção internacional).11 Embora tenha se afastado de uma concepção marxista pré-definida do capitalismo, a AR utiliza esses conceitos para mediar a teoria de Marx com a análise empírica, especialmente para entender as crises e a evolução de modelos como o fordismo e o regime de acumulação liderado pelas finanças.11 A Escola da Regulação, ao focar na “regulação” institucional do capitalismo, sugere que o sistema não é puramente determinado por leis econômicas abstratas, mas moldado por compromissos sociais e políticos. Isso implica que a exploração e a mais-valia se manifestam de formas historicamente específicas (e.g., fordismo versus financeirização), e que as crises são momentos de reconfiguração institucional. Se a Escola da Regulação busca entender as “regularidades” do capitalismo, ela reconhece que a exploração e a mais-valia são mediadas por instituições (relação salarial, Estado, etc.). Isso significa que a forma como a exploração se manifesta e é regulada pode mudar, o que possui implicações para a análise de políticas econômicas e para a capacidade do sistema de se adaptar e reproduzir, mesmo em meio a crises.

A Teoria Marxista da Dependência (TMD), por sua vez, introduz o conceito de superexploração da força de trabalho como um mecanismo central e permanente nas economias periféricas. Ruy Mauro Marini, um dos precursores, definiu a superexploração como a maior exploração da força física do trabalhador, geralmente remunerada abaixo de seu valor real, através do aumento da intensidade do trabalho, prolongamento da jornada e/ou redução do consumo do operário, convertendo parte do fundo de salário em fundo de acumulação de capital.14 Este mecanismo é crucial para compensar as perdas de lucratividade dos capitalistas dependentes devido ao intercâmbio desigual com os países centrais, explicando o “desenvolvimento do subdesenvolvimento” na periferia. Debates contemporâneos dentro da TMD, como os de Carcanholo, Martins e Osorio, discutem a operacionalização do conceito e sua expansão para economias centrais após a crise de 2008, indicando que a superexploração não se restringe mais apenas aos países periféricos, mas se torna um fenômeno global em face da financeirização e da nova divisão internacional do trabalho.14 A teoria da mais-valia de Marx é universal, mas a TMD mostra que a exploração assume formas “superexploratórias” em contextos dependentes. Essa “superexploração” não é apenas uma questão de grau, mas um mecanismo estrutural para compensar perdas de valor em um sistema global desigual. Se essa superexploração se expande para os centros, isso implica uma intensificação global da exploração do trabalho, independentemente do nível de desenvolvimento tecnológico, o que pode exacerbar as contradições sociais e políticas em escala mundial.

Sociologia

Na Sociologia, a práxis capitalista, a exploração e a mais-valia são analisadas principalmente através das lentes das relações de classe, da alienação do trabalho e do papel dos movimentos sociais na contestação e transformação dessas dinâmicas. Karl Marx observou que o capitalismo polariza a sociedade em uma classe dominante (burguesia, detentora dos meios de produção) e uma classe dominada (proletariado, que vende sua força de trabalho). A exploração da mais-valia é o cerne dessa relação antagônica, onde o lucro do capitalista é o resultado do trabalho não pago do proletário.2

A alienação é um conceito sociológico crucial para entender a práxis capitalista. Para Marx, o trabalhador no capitalismo é alienado do produto de seu trabalho, do processo de produção, de sua própria essência humana e de seus semelhantes. A divisão social do trabalho e a produção em série afastam o trabalhador do conhecimento do produto final, impedindo-o de medir o valor de seu próprio trabalho e facilitando a apropriação da mais-valia pelo capitalista. A alienação contribui para a desmobilização da classe trabalhadora, dificultando a consciência de classe e a união para a transformação social.2 A crise estrutural do capitalismo, com seu desemprego massivo e precarização do trabalho, intensifica essa alienação e a “barbarização crescente da vida social”.6 A alienação não é apenas uma condição subjetiva, mas um mecanismo de controle social que impede a classe trabalhadora de reconhecer e combater a exploração. Isso implica que a consciência de classe e a organização coletiva são pré-requisitos para uma práxis transformadora eficaz contra a práxis capitalista. Se a alienação impede o trabalhador de perceber a exploração e o valor de seu trabalho, ela é um fator que perpetua a mais-valia. A superação da alienação, através da práxis (seja teórica ou política), é, portanto, essencial para que os movimentos sociais possam se organizar e lutar contra a exploração. A sociologia, ao analisar a dinâmica dos movimentos sociais, explora como essa práxis se desenvolve e quais fatores (recursos, oportunidades, identidades) a tornam bem-sucedida ou não.

A práxis em movimentos sociais é um campo de estudo sociológico que investiga como os grupos sociais, especialmente os oprimidos, agem para contestar e transformar as relações de exploração. Inicialmente, a sociologia clássica via a mobilização coletiva como irracional, mas teorias posteriores, como a Teoria de Mobilização de Recursos (TMR), a Teoria do Processo Político (TPP) e a Teoria dos Novos Movimentos Sociais (TNMS), passaram a enfatizar a racionalidade da ação coletiva, a importância dos recursos, das oportunidades políticas e da construção de identidades coletivas. A práxis aqui se manifesta na escolha estratégica de formas de ação, na criação de solidariedade e na produção de “frames” interpretativos para mobilizar indivíduos e contestar o sistema.19 A sociologia, portanto, analisa como a práxis capitalista gera antagonismos que, por sua vez, impulsionam a práxis social transformadora. A reestruturação produtiva e a financeirização do capitalismo contemporâneo (discutidas na Economia) têm levado à precarização do trabalho e à fragmentação da classe trabalhadora.16 Isso gera um desafio para a práxis dos movimentos sociais, que precisam encontrar novas formas de mobilização e unificação frente a um perfil de trabalho mais heterogêneo e desorganizado, ao mesmo tempo em que a exploração se intensifica. A mudança nas formas de trabalho (crescimento do setor de serviços, home office, contratos flexíveis) impacta diretamente a capacidade de organização e mobilização da classe trabalhadora. Se a exploração continua ou se intensifica (como a superexploração), mas as formas tradicionais de práxis (sindicatos, grandes greves fabris) são enfraquecidas pela fragmentação, isso cria uma contradição: a necessidade de luta aumenta, mas as ferramentas e a coesão para essa luta são desafiadas. A sociologia, ao estudar os “novos movimentos sociais”, busca entender como a práxis se adapta a essas novas condições.

Filosofia

A Filosofia aborda a práxis capitalista, a exploração e a mais-valia, sobretudo, através da crítica ao capitalismo e da busca pela emancipação humana, bem como pelo diálogo e confronto com outras correntes filosóficas. Para Marx, a filosofia não deveria se limitar a interpretar o mundo, mas sim a transformá-lo, o que coloca a práxis no centro do pensamento filosófico marxista.7 A crítica filosófica ao capitalismo reside na sua capacidade de distorcer a essência humana, transformando o trabalho, que deveria ser uma atividade de auto-realização, em um meio de exploração e alienação, onde o valor criado pelo trabalhador é apropriado como mais-valia.8

A busca pela emancipação humana é o horizonte último da práxis filosófica marxista. Isso implica a dissolução das divisões de classe e a superação da propriedade privada dos meios de produção, para que a humanidade possa alcançar seu pleno potencial social. A práxis revolucionária, nesse sentido, é a materialização dessa filosofia, visando a libertação das massas através da luta de classes.8 Pensadores como Antonio Gramsci, com sua “filosofia da práxis”, valorizaram a política e a ideologia nos processos sociais, rompendo com o “economicismo” e concebendo uma filosofia que é também uma política, e vice-versa, buscando a construção de uma visão de mundo global por grupos subalternos para um projeto hegemônico alternativo.20

O diálogo com outras correntes filosóficas revela tanto convergências quanto profundas divergências. A Teoria Crítica, por exemplo, influenciada por Marx e Horkheimer, também busca uma tarefa epistemológica socialmente ativa, clarificando as forças da desigualdade social e guiando as forças políticas para a emancipação.7 Embora haja pontos de contato superficiais com o pragmatismo (como a ênfase na ação e na experiência), a filosofia da práxis de Gramsci diverge fundamentalmente do neopragmatismo de Rorty. Enquanto Gramsci busca uma transformação social radical impulsionada por grupos subalternos e vincula a filosofia à política e à economia, Rorty defende um “liberalismo solidário” que aceita o capitalismo e desvincula a filosofia da ação política concreta, focando em “vocabulários contingentes” e narrativas sem uma crítica profunda às estruturas de exploração.22 A distinção entre a práxis filosófica marxista e correntes como o neopragmatismo evidencia uma divergência fundamental sobre o papel da filosofia. Enquanto o marxismo vê a filosofia como um guia para a ação revolucionária e a superação do capitalismo (práxis), o neopragmatismo pode ser interpretado como uma forma de legitimar o status quo capitalista ao desvincular o pensamento da crítica radical às estruturas de poder e exploração. Se a filosofia marxista é uma “filosofia da práxis”, ela não pode ser neutra ou meramente interpretativa; ela deve ser um instrumento para a mudança. A crítica a abordagens como o neopragmatismo, que se afastam da análise das contradições de classe e da exploração, revela uma tensão entre filosofias que buscam a transformação radical e aquelas que, consciente ou inconscientemente, acabam por reforçar a reprodução da práxis capitalista.

Artes

As Artes, sob a perspectiva da crítica social marxista, servem como um poderoso meio de representação e crítica da práxis capitalista, da exploração e da alienação do trabalho. A arte, que em sociedades primitivas podia ter um papel humanizador, na sociedade capitalista é frequentemente subordinada à lógica do capital, onde suas “vitórias” podem ser “compradas com a perda do caráter”.23 No entanto, a arte também se torna um veículo para denunciar as relações antagônicas e desiguais entre a burguesia e o proletariado, ilustrando a apropriação do “sobretrabalho” (mais-valia) pelo capitalista e o estranhamento do trabalhador em relação ao produto e processo de seu trabalho.18

A utilização de charges, por exemplo, é uma forma didática e impactante de abordar os conceitos de alienação e mais-valia. Elas podem ilustrar a subordinação dos trabalhadores ao sistema capitalista, que dita o ritmo e as condições de trabalho, e as jornadas excessivas que levam à desvinculação do trabalhador do produto de seu labor. Charges também podem evidenciar como a modernização tecnológica, embora aumente a produtividade (mais-valia relativa), pode intensificar o estranhamento do trabalhador, tornando-o um mero executor de uma etapa da produção e sem acesso ao produto final que ajudou a criar.18

A arte, nesse contexto, não é apenas um reflexo passivo da realidade, mas uma forma ativa de práxis, capaz de promover a reflexão crítica sobre as desigualdades econômicas e sociais, a precarização do emprego e as consequências da Revolução Industrial na consolidação do capitalismo. Ao expor as contradições do sistema e dar voz às experiências de exploração e alienação, a arte contribui para a formação de uma consciência crítica, essencial para a práxis transformadora.18 A arte, ao revelar as contradições da práxis capitalista e a desumanização do trabalho, atua como uma forma de práxis filosófica e política. Ela contribui para a formação da consciência crítica, que é um pré-requisito para a práxis revolucionária. Se a alienação dificulta a consciência de classe, a arte pode ser um meio de desmistificar as relações de exploração e mais-valia. Ao tornar visíveis e sensíveis as injustiças do sistema, a arte pode despertar a consciência e a indignação, impulsionando a práxis política. Portanto, a arte não é um mero adorno, mas uma ferramenta ativa na luta ideológica e na construção de um projeto de sociedade alternativo.

Ciências Exatas

A relação entre as Ciências Exatas e o conceito de práxis capitalista, exploração e mais-valia é, à primeira vista, menos direta do que nas ciências humanas e sociais. As ciências exatas, como a física, a matemática, a química ou a engenharia, focam na descrição e manipulação de fenômenos naturais e tecnológicos com base em leis universais e quantificáveis. Seus métodos são empíricos e formais, buscando a objetividade e a replicabilidade, o que as distancia da análise das relações sociais de produção e poder que são centrais ao marxismo. Não há, nos materiais de pesquisa fornecidos, dados diretos que abordem a exploração ou a mais-valia sob a ótica de uma ciência exata em si.

No entanto, é possível inferir uma relação indireta e instrumental. O desenvolvimento das ciências exatas e da tecnologia, por exemplo, é um motor fundamental para a produção de mais-valia relativa no capitalismo. Inovações em engenharia e automação (como mencionado nos exemplos de mais-valia relativa 5) permitem aumentar a produtividade do trabalho, reduzindo o tempo de trabalho necessário e ampliando o trabalho excedente apropriado pelo capitalista. Assim, embora as ciências exatas não analisem a exploração em si, seus avanços são instrumentalizados pela práxis capitalista para intensificar a extração de valor. Além disso, a aplicação de modelos matemáticos e estatísticos pode ser usada em análises econômicas marxistas para quantificar aspectos da produção e distribuição de valor, embora a interpretação desses dados ainda recaia sobre as ciências sociais. As ciências exatas, por meio da tecnologia e da inovação que geram, são instrumentalizadas pela práxis capitalista para aumentar a mais-valia relativa. Isso as torna, indiretamente, parte do sistema de exploração, mesmo que sua finalidade intrínseca não seja essa. A busca por eficiência e produtividade, inerente à aplicação das ciências exatas na indústria, é diretamente cooptada pela lógica do capital para maximizar a mais-valia. Isso significa que o progresso científico-tecnológico, que poderia potencialmente libertar o trabalho humano, é, sob o capitalismo, um meio de intensificar a exploração. A implicação é que a neutralidade aparente das ciências exatas é desafiada pelo seu uso na práxis capitalista.

Tabela 2: Perspectivas Disciplinares sobre Exploração e Mais-Valia

DisciplinaFoco PrincipalConceitos Chave RelacionadosExemplos Acadêmicos/Práticos
EconomiaAcumulação de capital, crises, mecanismos de valor.Mais-valia absoluta e relativa, taxa de exploração, regime de acumulação, modo de regulação, superexploração.Escola da Regulação (fordismo, financeirização), Teoria Marxista da Dependência (superexploração em países periféricos). 1
SociologiaRelações de classe, alienação do trabalho, mobilização social.Alienação, luta de classes, movimentos sociais, identidade coletiva, precarização do trabalho.Análise da fragmentação da classe trabalhadora, estratégias de movimentos sociais frente à precarização. 5
FilosofiaCrítica ontológica ao capitalismo, emancipação humana, relação teoria-práxis.Práxis filosófica, produtiva e política; desumanização, ideologia.Crítica de Marx à filosofia contemplativa, filosofia da práxis de Gramsci, debate com o neopragmatismo. 8
ArtesRepresentação e crítica social da exploração e alienação.Alienação do produto do trabalho, subordinação da arte ao capital, consciência crítica.Charges como ferramenta didática e crítica, obras que ilustram a desumanização do trabalho. 18
Ciências ExatasDesenvolvimento tecnológico, produtividade.Inovação tecnológica, automação, eficiência.Instrumentalização da engenharia e matemática para aumentar a mais-valia relativa na indústria. 5

Convergências, Divergências e Interseções Interdisciplinares

A análise da práxis capitalista, exploração e mais-valia através de diferentes disciplinas revela um rico mosaico de perspectivas, com pontos de encontro que reforçam a robustez dos conceitos marxistas e divergências que apontam para a complexidade do fenômeno.

Convergências

A principal convergência reside no reconhecimento da centralidade do trabalho como fonte de valor e da exploração como mecanismo fundamental do capitalismo. Tanto a Economia marxista, com sua teoria da mais-valia 1, quanto a Sociologia, ao analisar as relações de classe e a alienação 5, e a Filosofia, ao criticar a desumanização do trabalho 6, convergem na ideia de que o sistema capitalista se baseia na apropriação do trabalho não pago. Há também uma convergência na percepção das contradições e crises inerentes ao capitalismo, sejam elas econômicas 1, sociais 6 ou ideológicas.20 A noção de práxis como ação transformadora é outro ponto de união, presente na filosofia, na sociologia dos movimentos sociais e na própria economia política que busca a superação do sistema.8

Divergências

As divergências surgem principalmente nas ênfases metodológicas e nos níveis de análise. Enquanto a Economia marxista se aprofunda nos mecanismos de valor, preço e acumulação 1, a Sociologia se concentra nas relações sociais, na estrutura de classes e nos fenômenos de alienação e mobilização.5 A Filosofia, por sua vez, eleva a discussão para o plano da emancipação humana e da crítica ontológica do capitalismo.8 Outra divergência notável é a interpretação da natureza do Estado: enquanto algumas vertentes marxistas o veem como um instrumento direto da classe dominante, outras (como a Escola da Regulação ou Poulantzas) reconhecem uma autonomia relativa e um papel mais ativo na regulação social e econômica.11 Além disso, há debates internos ao marxismo, como a validade da teoria do valor-trabalho frente ao trabalho imaterial 16 ou a existência da “superexploração” em Marx 14, que geram diferentes interpretações e aplicações dos conceitos.

Interseções

As intersecções são abundantes e enriquecem a compreensão da práxis capitalista. A Economia Política é, por natureza, uma intersecção entre economia e sociologia/ciência política, onde as análises de acumulação e crise se encontram com as dinâmicas de poder e luta de classes.11 A sociologia da arte e a crítica de arte marxista representam uma intersecção entre sociologia e artes, explorando como as manifestações artísticas refletem e criticam as relações de exploração e alienação.18 A Teoria Crítica é um campo filosófico que se interliga com a sociologia e a psicologia, buscando a emancipação social através da análise das estruturas de dominação e da cultura.7 As Ciências Exatas, embora não abordem diretamente os conceitos, interagem com a economia e a sociologia ao fornecer as bases tecnológicas que impulsionam a mais-valia relativa e reconfiguram as relações de trabalho.5 A coexistência de convergências e divergências demonstra que a práxis capitalista é um fenômeno multifacetado que não pode ser compreendido por uma única lente. As divergências, em vez de enfraquecerem a análise, revelam a complexidade e as múltiplas camadas de manifestação da exploração e da mais-valia, enquanto as interseções apontam para a necessidade de abordagens transdisciplinares para uma compreensão mais completa. Se diferentes disciplinas, usando diferentes métodos, chegam a conclusões semelhantes sobre a centralidade da exploração, isso reforça a validade do conceito. Contudo, as nuances e os debates (como a superexploração ou o trabalho imaterial) mostram que o capitalismo evolui e exige uma constante atualização e refinamento da teoria. As interseções destacam que a solução para problemas complexos como a desigualdade e a alienação exige uma colaboração entre os campos do saber, integrando análises econômicas, sociais, filosóficas e culturais.

Tabela 3: Convergências e Divergências Interdisciplinares

AspectoConvergênciasDivergênciasInterseções
Centralidade do Trabalho/ExploraçãoEconomia, Sociologia, Filosofia, Artes reconhecem o trabalho como fonte de valor e a exploração como base do lucro capitalista. 1Debate sobre a validade da Teoria do Valor-Trabalho em contextos de trabalho imaterial (Economia). 16Economia Política (análise conjunta de produção, distribuição e poder).
Contradições e Crises do CapitalismoReconhecimento de crises econômicas, sociais e ideológicas como inerentes ao sistema. 1Ênfase em causas e soluções: econômicas (taxa de lucro), sociais (luta de classes), institucionais (modos de regulação). 11História Econômica e Social (estudo das crises e suas transformações).
Práxis como Ação TransformadoraFilosofia (guia para a transformação), Sociologia (movimentos sociais), Economia (superação do sistema). 8Diferenças no alcance e na forma da transformação (revolução radical vs. reforma gradual, como entre Gramsci e Rorty). 22Teoria Crítica (integração de filosofia, sociologia e psicologia para a emancipação).
Natureza do EstadoReconhecimento do papel do Estado na reprodução social.Visões distintas: instrumento direto da classe dominante versus autonomia relativa e papel regulador (Poulantzas, Escola da Regulação). 20Ciência Política (estudo das relações entre Estado, classes e poder).
Instrumentalização da TecnologiaCiências Exatas produzem inovações que são usadas para aumentar a produtividade.Ciências Exatas não analisam a exploração diretamente, mas seus produtos são instrumentalizados pela lógica capitalista. 5Sociologia da Tecnologia e Economia da Inovação (análise do impacto social e econômico das tecnologias).

Exemplos de Uso Acadêmico e Prático

Os conceitos de práxis capitalista, exploração e mais-valia são amplamente utilizados tanto no ambiente acadêmico quanto na análise de fenômenos práticos e contemporâneos.

Uso Acadêmico

Na academia, a teoria da mais-valia de Marx é a base para estudos sobre a distribuição de renda, a acumulação de capital e as crises econômicas. A Escola Francesa da Regulação, por exemplo, utiliza conceitos como “regime de acumulação” e “modo de regulação” para analisar a evolução histórica do capitalismo, desde o fordismo até o regime financeirizado, explicando como a extração de mais-valia se adapta a diferentes arranjos institucionais.11 A Teoria Marxista da Dependência (TMD) aplica o conceito de superexploração da força de trabalho para explicar as particularidades do capitalismo em países periféricos, onde a exploração é intensificada para compensar perdas no intercâmbio desigual, como demonstrado por Ruy Mauro Marini e Marcelo Carcanholo.14

Na Sociologia e na Ciência Política, a análise de Nicos Poulantzas sobre o Estado capitalista, influenciado por Marx e Gramsci, oferece ferramentas para entender como o Estado, mesmo com sua “autonomia relativa”, atua na reprodução das relações de classe e na legitimação da exploração, abordando conceitos como “bloco no poder” e “força social”.20 A pedagogia histórico-crítica, inspirada no marxismo, busca uma práxis pedagógica transformadora que revele as contradições do capitalismo e promova a consciência crítica nos estudantes, como proposto por Dermeval Saviani, utilizando a educação como meio de emancipação.25

Uso Prático/Contemporâneo

A teoria da mais-valia continua a ser relevante para a compreensão de fenômenos contemporâneos. A mais-valia absoluta pode ser observada na prática em empresas que exigem que seus funcionários estejam disponíveis para trabalho (e-mails, chamadas) fora do horário regular sem remuneração adicional, ou em setores com jornadas de trabalho excessivamente longas e baixos salários.5 A mais-valia relativa é evidente na automação industrial e na digitalização dos processos de trabalho, onde a introdução de novas tecnologias permite que os trabalhadores produzam mais em menos tempo, mas sem um aumento proporcional em seus salários, aumentando os lucros da empresa.5

Além disso, a análise marxista da exploração é aplicada para entender a precarização do trabalho em escala global, o aumento do desemprego estrutural e a expansão de formas de contratação flexíveis e desregulamentadas (como o home office e contratos por aplicativo), que contribuem para a fragmentação da classe trabalhadora e a intensificação da exploração.16 A teoria da mais-valia também é usada para analisar a financeirização da economia, onde o “capital fictício” (títulos, ações) se torna uma fonte de lucro que, para alguns, representa a apropriação da mais-valia em sua forma mais abstrata, influenciando políticas de austeridade que limitam o consumo da classe trabalhadora e beneficiam as elites financeiras.10 A capacidade dos conceitos de exploração e mais-valia de explicar fenômenos tão diversos e contemporâneos (desde a automação até a financeirização e a precarização do trabalho) demonstra sua relevância analítica contínua, apesar das transformações do capitalismo. Isso implica que a práxis capitalista é adaptável, mas seus mecanismos fundamentais de apropriação de valor persistem. Se os conceitos de mais-valia absoluta e relativa ainda se manifestam em exemplos práticos e atuais (trabalho não pago fora do expediente, automação sem aumento salarial), isso sugere que a lógica da exploração capitalista não desapareceu, mas se metamorfoseou. A aplicação desses conceitos em estudos sobre a financeirização e a precarização do trabalho mostra que o marxismo oferece um arcabouço robusto para entender as novas formas de dominação e apropriação de valor no século XXI, o que é crucial para a práxis de resistência e transformação.

Debates Contemporâneos e Críticas ao Conceito

O conceito de práxis capitalista, exploração e mais-valia tem sido objeto de intensos debates, tanto de críticos não-marxistas quanto de revisitações e novas interpretações dentro do próprio campo marxista.

Críticas Não-Marxistas

As críticas à teoria da mais-valia e da exploração vêm principalmente das escolas de pensamento liberal e austríaca. Uma das objeções mais proeminentes é contra a Teoria do Valor-Trabalho (TVT) de Marx, considerada internamente inconsistente por críticos como Vladimir Karpovich Dmitriev e Ladislaus von Bortkiewicz. Eles argumentam que as conclusões de Marx sobre o valor agregado e o lucro não seguem logicamente de suas premissas, e que a correção desses “erros” invalidaria a ideia de que a exploração do trabalho é a única fonte de lucro.26 A Escola Austríaca, por sua vez, rejeita a TVT em favor da Teoria Subjetiva do Valor, defendida por Carl Menger, que postula que o valor de um bem é determinado pela utilidade marginal que ele oferece ao consumidor, e não pelo trabalho incorporado.26

Economistas liberais como Alfred Marshall criticam Marx ao argumentar que o lucro capitalista não é injusto, mas uma recompensa necessária pelos riscos assumidos, pelos investimentos de capital e pelo trabalho administrativo do empregador.2 Marshall também aponta que o preço ou valor é determinado pela lei da oferta e da demanda, e não apenas pelo custo de produção (trabalho).26 Além disso, a ideia de “mobilidade social” no capitalismo é frequentemente usada para refutar a noção de luta de classes, argumentando que indivíduos podem ascender ou decair socialmente, desafiando a polarização rígida proposta por Marx.2

Revisitações e Novas Interpretações Marxistas

Dentro do próprio marxismo, há debates e revisitações que buscam adaptar a teoria às novas realidades do capitalismo. Um ponto de discussão é a validade da teoria do valor-trabalho frente à expansão do trabalho imaterial e intelectual e às novas tecnologias de informação e comunicação (NTICs). O livro Trabalho (Imaterial), valor e classes sociais 16 questiona como o valor é formado no capitalismo contemporâneo, especialmente em relação à produção de conhecimento e ao general intellect, e se a teoria do valor-trabalho pode ser desqualificada se não houver consenso sobre como medir o valor do trabalho imaterial.

Outro debate significativo é sobre a “superexploração da força de trabalho”. Enquanto Ruy Mauro Marini desenvolveu o conceito para explicar a dinâmica do capitalismo dependente 15, há discussões sobre se Marx mesmo teorizou a superexploração em O Capital. Corrêa e Carcanholo 14 argumentam que a categoria de “superexploração” (definida como pagamento da força de trabalho abaixo de seu valor, levando à sua reprodução em condições subnormais) é alheia ao arcabouço categorial de Marx, que via a exploração como a apropriação do trabalho excedente mesmo quando a força de trabalho é paga por seu valor. Eles criticam interpretações que transformam a exploração em uma questão moral, em vez de uma análise objetiva do funcionamento do capital, e alertam para as consequências políticas de tal “radicalização”.14 A persistência das críticas não-marxistas à TVT e à teoria da exploração, apesar da sua relevância contínua para a análise marxista, aponta para uma divisão fundamental nas abordagens econômicas e sociais. Isso desafia os teóricos marxistas a refinar suas explicações e a demonstrar a aplicabilidade da TVT em contextos de trabalho imaterial e financeirização, onde a medição do valor pode ser mais complexa. Se a teoria da mais-valia é a base da crítica marxista ao capitalismo, então as críticas à TVT (como as da Escola Austríaca) são um ataque direto à sua fundação. Isso força os marxistas a defender e atualizar a teoria, especialmente em relação a novas formas de trabalho e acumulação de capital (como o trabalho imaterial e a financeirização). O debate sobre a “superexploração” dentro do próprio marxismo ilustra a vitalidade e a complexidade da teoria, mostrando que ela não é estática, mas está em constante evolução e auto-crítica para se adaptar às novas realidades da práxis capitalista.

Conclusão: Síntese e Relevância Contínua

A práxis capitalista, com seus mecanismos intrínsecos de exploração e mais-valia, permanece um conceito fundamental para a compreensão das dinâmicas sociais e econômicas contemporâneas. A análise interdisciplinar demonstrou que, embora as disciplinas abordem o fenômeno com lentes e metodologias distintas, há uma convergência notável no reconhecimento da centralidade do trabalho como fonte de valor e da apropriação do trabalho não pago como motor da acumulação capitalista. A Economia detalha os mecanismos de mais-valia absoluta e relativa e as crises inerentes; a Sociologia explora as relações de classe, a alienação e a práxis dos movimentos sociais; a Filosofia eleva a discussão para a emancipação humana e a crítica ontológica; e as Artes oferecem um meio de representação e contestação dessas realidades.

As interseções entre essas disciplinas, como na economia política ou na sociologia da arte, revelam a totalidade complexa da práxis capitalista, que não pode ser reduzida a um único aspecto. Embora as críticas não-marxistas questionem a validade da teoria do valor-trabalho, e debates internos ao marxismo busquem refinar conceitos como o trabalho imaterial e a superexploração, a capacidade dos conceitos de exploração e mais-valia de explicar fenômenos como a precarização do trabalho, a automação e a financeirização no século XXI atesta sua relevância contínua. A práxis capitalista é dinâmica e adaptável, mas seus fundamentos de apropriação de valor persistem, impulsionando a necessidade de uma práxis transformadora que busque a superação das contradições e a emancipação humana. Se o capitalismo se transforma, mas os mecanismos de exploração persistem, então a teoria marxista não é um artefato histórico, mas uma ferramenta viva para a análise do presente e a projeção do futuro. A necessidade de uma práxis transformadora não diminui, mas se adapta às novas formas de manifestação da exploração. A interdisciplinaridade não é apenas uma conveniência acadêmica, mas uma necessidade para compreender a totalidade da práxis capitalista e para formular estratégias de mudança social que abordem suas múltiplas dimensões (econômicas, sociais, culturais, políticas).

A análise da práxis capitalista, da exploração e da mais-valia, embora fundamental para a compreensão crítica do sistema, não está isenta de intensos debates, contrapontos e controvérsias. Tanto de fora do arcabouço marxista quanto em suas próprias vertentes, esses conceitos são constantemente questionados, revisitados e, por vezes, refutados, revelando a complexidade e a vitalidade do pensamento em torno das dinâmicas do capital.

I. Críticas à Teoria do Valor-Trabalho e à Exploração Marxista

Uma das críticas mais contundentes à teoria marxista da exploração e da mais-valia provém da economia neoclássica e da Escola Austríaca, que rejeitam a Teoria do Valor-Trabalho (TVT) de Karl Marx. Críticos como Eugen von Böhm-Bawerk argumentaram que a TVT e a lei da “Tendência da Taxa de Lucro a Cair” de Marx são internamente inconsistentes. Böhm-Bawerk, em sua obra “Sobre a conclusão do sistema marxiano”, apontou que Marx falhou em resolver a contradição entre a previsão de que a taxa de lucro deveria ser proporcional ao capital variável (trabalho vivo) e a observação empírica de que as taxas de lucro tendem a se igualar em diferentes setores, independentemente da composição orgânica do capital. Para Böhm-Bawerk, a tentativa de Marx de “transformar” valores em preços de produção no Volume III de O Capital implicava um abandono da própria Lei do Valor, tornando a teoria contraditória em sua essência.1

A Escola Austríaca de economia, por sua vez, rejeita a TVT em favor da Teoria Subjetiva do Valor, conforme apresentada por Carl Menger. Para essa corrente, o valor de uma mercadoria não é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário para produzi-la, mas sim pela utilidade marginal que ela proporciona ao consumidor, ou seja, pela sua capacidade de satisfazer necessidades e desejos individuais. Ludwig von Mises, um proeminente economista austríaco, questionou a possibilidade de assimilar diferentes tipos de trabalho a um denominador comum sem a avaliação subjetiva dos consumidores sobre os produtos, concluindo que o argumento de Marx nesse ponto falhava. Essa perspectiva implica que o lucro não é o resultado da exploração do trabalho, mas uma recompensa pela capacidade do empreendedor de antecipar e satisfazer as necessidades dos consumidores, alocar recursos de forma eficiente e assumir riscos.1

Além disso, economistas liberais e neoclássicos, como Alfred Marshall, criticam a ideia de que o lucro capitalista é inerentemente injusto ou derivado unicamente da exploração. Marshall argumentou que a produção em uma fábrica não é apenas o produto do trabalho dos operários, mas também do trabalho do empregador e dos gerentes subordinados, além do capital empregado. Ele enfatizou que o capitalista sacrifica dinheiro que poderia usar imediatamente para investir em negócios, o que, em última análise, gera trabalho e produtividade. Para essa visão, o lucro é uma recompensa justa pelos riscos assumidos, pelos investimentos e pelo trabalho administrativo do capitalista, e não uma apropriação de valor não pago.3 A Lei da Oferta e da Demanda também é frequentemente utilizada para refutar a TVT, argumentando que o preço ou valor é determinado não apenas pela oferta (custo de produção, incluindo trabalho), mas também pela demanda do consumidor, o que adiciona uma dimensão multifatorial à formação de preços e lucros.1

Outro contraponto significativo à teoria marxista da mais-valia é o Teorema de Okishio (1961). Este teorema sugere que, se os capitalistas buscam técnicas de redução de custos e os salários reais não aumentam, a taxa de lucro deveria, na verdade, aumentar, contrariando a previsão de Marx de uma tendência à queda da taxa de lucro. Essa crítica aponta para uma falha lógica na estrutura econômica marxista em sua capacidade de prever as dinâmicas capitalistas, desafiando a universalidade da lei da tendência de queda da taxa de lucro.1

II. Controvérsias e Revisitacões no Campo Marxista

Dentro do próprio campo marxista, a teoria da exploração e da mais-valia tem sido objeto de intensos debates e revisitações, que buscam adaptar ou aprofundar a análise diante de novas realidades. Uma das discussões mais proeminentes é o debate sobre a “superexploração da força de trabalho”. Embora Ruy Mauro Marini, na Teoria Marxista da Dependência (TMD), tenha desenvolvido o conceito de superexploração para explicar as especificidades do capitalismo nos países periféricos (onde a força de trabalho é remunerada abaixo de seu valor real para compensar perdas de lucratividade devido ao intercâmbio desigual) 4, a atribuição de uma “teoria da superexploração” ao próprio Marx em O Capital gerou uma controvérsia significativa.

Hugo Figueira Corrêa e Marcelo Dias Carcanholo, por exemplo, refutaram a tese de Nascimento, Dillenburg e Sobral (2015) de que Marx teria implicitamente teorizado a superexploração. Corrêa e Carcanholo argumentam que essa interpretação distorce o arcabouço categorial de Marx, que via a exploração como a apropriação do trabalho excedente mesmo quando a força de trabalho é paga por seu valor. Para eles, a “superexploração” como pagamento abaixo do valor da força de trabalho é uma forma concreta de intensificar a taxa de mais-valia, mas não constitui uma categoria teórica distinta no nível de abstração fundamental de Marx. Eles criticam essa interpretação por levar a uma crítica moral do capitalismo, distante da análise objetiva de Marx, e por implicar que, sem uma exploração “exacerbada”, não haveria razão revolucionária, o que consideram uma perspectiva “mistificada” e potencialmente “contrarrevolucionária”.4

Outra controvérsia interna diz respeito à relevância da Teoria do Valor-Trabalho (TVT) no contexto do trabalho imaterial e intelectual e do avanço das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs) no século XXI. Com a crescente importância da produção de conhecimento, comunicação e criatividade, questiona-se como o valor é gerado e apropriado em setores onde a “materialidade” do produto do trabalho é menos evidente. O debate se concentra em se a TVT ainda é válida e como o valor do trabalho imaterial pode ser medido, ou se essas transformações exigem uma reinterpretação fundamental da teoria marxista do valor.6

A Escola Francesa da Regulação (AR), embora com raízes marxistas, também enfrentou críticas por seu afastamento da teoria geral de Marx. Críticos argumentam que, ao longo do tempo, a AR adotou um ponto de vista mais historicista e institucional, perdendo uma visão abrangente do capitalismo e adotando uma concepção pré-teórica inadequada. Essa abordagem é acusada de “harmonicismo”, buscando um modo de regulação que promova crescimento elevado e estável, garantindo a coesão social, em vez de reconhecer as contradições e a coerção inerentes ao capitalismo contemporâneo. A crítica aponta que a AR falha em considerar o papel central da coerção na manutenção da hegemonia política e ignora que o poder político do capital financeiro e industrial tem se baseado no aumento da violência interna, guerras, xenofobia e encarceramento em massa.7

Essas críticas e controvérsias, tanto externas quanto internas, demonstram que os conceitos de práxis capitalista, exploração e mais-valia são campos de debate dinâmicos. Elas forçam a teoria marxista a se autoavaliar, a refinar suas explicações e a se adaptar às novas realidades do capitalismo, ao mesmo tempo em que revelam as profundas divisões paradigmáticas na compreensão das relações econômicas e sociais.

A compreensão aprofundada da práxis capitalista, da exploração e da mais-valia pode ser significativamente facilitada por meio de visualizações e dados empíricos. Esses recursos não apenas tornam conceitos complexos mais acessíveis, mas também demonstram sua manifestação e impacto em contextos reais. Ao traduzir a teoria em representações visuais, é possível apreender as interconexões e as dinâmicas que fundamentam a crítica marxista ao capitalismo.

I. A Mais-Valia: O Coração da Exploração Capitalista

A mais-valia é o valor excedente que o trabalhador produz além do valor de sua própria força de trabalho, e que é apropriado gratuitamente pelo capitalista. Para Marx, essa apropriação é a fonte do lucro capitalista e a essência da exploração. Existem duas modalidades principais de extração de mais-valia: a absoluta e a relativa, que se distinguem pela forma como o valor é extraído do trabalho não pago.

A mais-valia absoluta é obtida pelo prolongamento da jornada de trabalho ou pelo aumento do número de trabalhadores, sem um aumento proporcional no salário. Imagine um cenário onde um trabalhador produz o equivalente ao seu salário em 5 horas, mas é obrigado a trabalhar 8 horas. As 3 horas adicionais de trabalho não remunerado constituem a mais-valia absoluta. Um exemplo contemporâneo é a expectativa de que funcionários respondam a e-mails ou atendam a chamadas fora do horário comercial sem remuneração extra, estendendo a jornada de trabalho de forma “invisível”.1

A mais-valia relativa surge do aumento da produtividade do trabalho, geralmente através de inovações tecnológicas ou métodos de produção mais eficientes, sem que haja um aumento correspondente no salário. Se uma nova máquina permite que o trabalhador produza o mesmo valor em menos tempo (por exemplo, o valor do salário é coberto em 3 horas em vez de 5), o tempo “liberado” dentro da jornada de trabalho (as 2 horas restantes) torna-se trabalho excedente, aumentando a mais-valia relativa. A automação industrial, onde máquinas dobram a produção por hora, mas os salários permanecem os mesmos, é um exemplo claro de mais-valia relativa.1

Tabela 1: Modalidades de Mais-Valia

Tipo de Mais-ValiaDefiniçãoMecanismo de ExtraçãoExemplo Prático/Contemporâneo
AbsolutaValor gerado pelo prolongamento da jornada de trabalho, além do tempo necessário para o trabalhador produzir o valor de sua subsistência, sem um aumento proporcional no salário. 3Aumento da duração da jornada de trabalho ou do número de trabalhadores empregados. 7Expectativa de disponibilidade fora do horário de trabalho (e-mails, chamadas) sem remuneração adicional. 1
RelativaValor gerado pelo aumento da produtividade do trabalho, sem alterar o número de horas trabalhadas, mas através de melhorias nos processos técnicos. 3Introdução de novas tecnologias, métodos de produção mais eficientes ou reorganização do trabalho, reduzindo o tempo de trabalho necessário. 7Automação industrial que dobra a produção por hora sem aumento salarial, aumentando o lucro da empresa. 1

Diagrama 1: A Geração da Mais-Valia

Este diagrama ilustra como a jornada de trabalho se divide em “trabalho necessário” (pago ao trabalhador como salário) e “trabalho excedente” (não pago, que gera a mais-valia).

Jornada de Trabalho Total
|---------------------------------------------------|
| Trabalho Necessário (Valor do Salário) | Trabalho Excedente (Mais-Valia) |
|---------------------------------------------------|
  • Mais-Valia Absoluta: Ocorre quando a “Jornada de Trabalho Total” é estendida, aumentando o “Trabalho Excedente”.
  • Mais-Valia Relativa: Ocorre quando o “Trabalho Necessário” é reduzido devido ao aumento da produtividade, aumentando a proporção do “Trabalho Excedente” dentro da mesma “Jornada de Trabalho Total”.

II. Exploração Capitalista: A Taxa e Seus Componentes

A exploração capitalista, para Marx, é a apropriação do valor excedente produzido pela força de trabalho. Ela pode ser quantificada pela taxa de mais-valia (ou taxa de exploração), que é a relação entre a mais-valia (s) e o capital variável (v), que representa o valor da força de trabalho (salários). A fórmula é e = s/v.7 Uma taxa de mais-valia elevada indica um maior grau de exploração, significando que uma proporção maior do valor criado pelo trabalhador é apropriada pelo capitalista como lucro.7

A compreensão dessa fórmula é crucial para desvendar a dinâmica da apropriação de valor. O valor total criado no processo produtivo (VC) é composto pelo capital variável (v) e pela mais-valia (s), ou seja, VC = v + s.7 Isso significa que o valor que o trabalhador produz é dividido entre o que ele recebe como salário (v) e o que é apropriado pelo capitalista (s). A busca incessante por aumentar essa taxa, seja prolongando a jornada de trabalho ou aumentando a produtividade, é o motor da acumulação de capital e da intensificação das contradições de classe.8

III. Práxis Marxista: Um Mapa Conceitual da Ação Transformadora

O conceito de práxis em Marx é uma ação humana intencional e transformadora, que abrange tanto mudanças materiais externas quanto modificações subjetivas e sociais internas. Ela é a união indissociável entre teoria e prática, e se manifesta em três dimensões interligadas: filosófica, produtiva e política.9

A práxis filosófica (ou teórica) é a teoria que guia a ação, buscando uma compreensão crítica do mundo para transformá-lo, como na famosa tese de Marx: “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diversas maneiras; o objetivo é transformá-lo”.9 A práxis produtiva é a atividade fundamental de produção de bens, onde o trabalho humano transforma a natureza e cria valor, que é então apropriado privadamente pelo capital.8 Por fim, a práxis política (ou revolucionária) é a ação coletiva para transformar a sociedade, manifestando-se na luta de classes e buscando a emancipação humana.8

Mapa Conceitual: As Dimensões da Práxis Marxista

Snippet de código

graph TD
    A[Práxis Humana] --> B(Práxis Filosófica/Teórica);
    A --> C(Práxis Produtiva);
    A --> D(Práxis Política/Revolucionária);

    B -- Guia a --> D;
    C -- Base Material para --> B;
    D -- Transforma a Realidade de --> C;
    D -- Impulsiona a --> A;

    subgraph Impacto do Capitalismo
        C -- Distorcida por --> E[Alienação];
        C -- Gera --> F[Exploração e Mais-Valia];
        F -- Impulsiona --> G[Acumulação de Capital];
        G -- Leva a --> H[Contradições e Crises];
    end

    D -- Resposta a --> H;
    D -- Busca a --> I[Emancipação Humana];

IV. Linha do Tempo: Evolução e Reinterpretações dos Conceitos

A trajetória dos conceitos de práxis, exploração e mais-valia é marcada por momentos de virada e reinterpretações que refletem as transformações do capitalismo e do pensamento crítico.

  • Século IV a.C. (Grécia Antiga): Aristóteles distingue práxis (ação com fim em si mesma) de theoria (contemplação) e poiesis (produção com fim externo).9
  • Século XIX (Karl Marx):
    • 1840s: Ressignificação da práxis como união dialética entre teoria e prática, com foco na transformação social.9
    • 1867 (O Capital, Volume I): Formalização da Teoria do Valor-Trabalho, Exploração e Mais-Valia (absoluta e relativa) como mecanismos centrais do capitalismo.7
  • Pós-Primeira Guerra Mundial (Século XX):
    • Marxismo Ocidental: Retorno à filosofia e crítica ao dogmatismo soviético (Gramsci, Horkheimer), buscando uma articulação mais profunda entre teoria e práxis.9
    • Década de 1960-70 (Teoria da Dependência): Ruy Mauro Marini introduz o conceito de superexploração da força de trabalho para explicar as especificidades do capitalismo periférico.11
    • Década de 1970 (Escola Francesa da Regulação): Robert Boyer e Michel Aglietta buscam atualizar a análise de Marx para compreender as transformações do capitalismo do século XX, desenvolvendo conceitos como regime de acumulação e modo de regulação.13
  • Século XXI:
    • Debates Contemporâneos: Questionamentos sobre a validade da teoria do valor-trabalho em face do trabalho imaterial e intelectual e das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs).15
    • Financeirização e Precarização: Análise da financeirização da economia e das políticas de austeridade como novas formas de manifestação da exploração e mais-valia, e o crescimento da precarização do trabalho (e.g., gig economy).4

V. Exemplos Práticos e Implicações Visuais

A práxis capitalista e seus mecanismos de exploração e mais-valia se manifestam em cenários cotidianos e são frequentemente retratados em mídias e artes para promover a reflexão crítica.

Um exemplo prático da mais-valia absoluta é a jornada de trabalho estendida e não remunerada, comum em muitas empresas modernas. Imagine um gráfico de pizza representando as horas de trabalho de um funcionário: uma fatia maior para “horas não pagas” (mais-valia) e uma menor para “horas pagas” (salário). Isso visualiza a apropriação do tempo de vida do trabalhador, que se traduz em estresse, esgotamento e perda de tempo para lazer e família.8

A automação industrial é um exemplo vívido da mais-valia relativa. Um infográfico poderia mostrar a evolução da produção em uma fábrica: antes da automação, X produtos por hora com Y trabalhadores; após a automação, 2X produtos por hora com Y trabalhadores (ou menos), mas os salários permanecem os mesmos. A seta de “lucro do capitalista” cresceria exponencialmente, enquanto a de “salário do trabalhador” permaneceria estática, ilustrando como o avanço tecnológico intensifica a exploração sem beneficiar proporcionalmente o trabalhador.8

As crises capitalistas, como a de 1929, podem ser visualizadas com gráficos de distribuição de renda. Um gráfico de barras mostrando a concentração de riqueza no topo antes da crise, e a subsequente queda no consumo da base da pirâmide, ilustraria como a apropriação da mais-valia leva à “superprodução relativa” (produção maior que a capacidade de consumo da maioria).3 A relação entre dívidas públicas e mais-valia também pode ser ilustrada, onde as dívidas são vistas como uma “devolução” da mais-valia retirada da classe trabalhadora para reativar a demanda e evitar o colapso do sistema.3

Finalmente, a arte, como as charges e caricaturas, oferece visualizações poderosas da alienação e exploração. Uma charge que retrata um trabalhador como um mero apêndice de uma máquina, ou um capitalista “sugando” a energia de seus empregados, é uma forma direta e impactante de comunicar a apropriação do “sobretrabalho” e o estranhamento do trabalhador em relação ao seu produto e processo.8 Essas representações visuais não apenas denunciam as desigualdades, mas também promovem a consciência crítica, essencial para a práxis transformadora.

A práxis capitalista, a exploração e a mais-valia são conceitos que transcendem a mera descrição econômica; eles oferecem uma lente crítica para decifrar as complexas relações de poder, a produção de riqueza e as contradições inerentes ao sistema capitalista. Longe de serem relíquias de um passado industrial, esses termos permanecem ferramentas analíticas de vital importância para compreender as dinâmicas socioeconômicas do século XXI. A reflexão sobre seu impacto, relevância social e potencialidades transformadoras revela não apenas a persistência de antigas formas de dominação, mas também a emergência de novos desafios e a contínua necessidade de uma práxis que vise à emancipação humana.

I. Impacto e Relevância Social na Contemporaneidade

O impacto dos conceitos de práxis, exploração e mais-valia na análise social contemporânea é inegável. Eles nos permitem ir além da superfície das trocas de mercado para desvendar a lógica subjacente à acumulação de capital. A exploração, entendida como a apropriação do valor excedente produzido pelo trabalho não pago, não é um acidente ou uma falha moral, mas o mecanismo fundamental que impulsiona o lucro e a concentração de riqueza nas mãos de poucos.1 Essa compreensão é crucial para desmistificar a ideia de que a desigualdade é um resultado natural da “eficiência” ou do “mérito” individual, revelando-a como um produto direto das relações de produção capitalistas.

A relevância social desses conceitos é acentuada pela persistência e intensificação da desigualdade em escala global. A análise da mais-valia, em suas modalidades absoluta (prolongamento da jornada de trabalho) e relativa (aumento da produtividade por tecnologia), explica como o capital busca incessantemente maximizar seus lucros, muitas vezes em detrimento das condições de vida e saúde dos trabalhadores.4 Fenômenos como a precarização do trabalho, o desemprego estrutural e a expansão da “gig economy” são compreendidos como manifestações contemporâneas dessa busca por mais-valia, que fragmenta a classe trabalhadora e erode direitos sociais historicamente conquistados.8

Além disso, a práxis capitalista, ao transformar a força de trabalho em mercadoria, gera a alienação do trabalhador em relação ao produto de seu trabalho, ao processo produtivo e à sua própria essência humana.11 Essa alienação não é apenas uma condição econômica, mas uma condição existencial que desumaniza o trabalho e contribui para a “barbarização crescente da vida social”.10 A capacidade desses conceitos de diagnosticar a raiz da alienação e da desumanização no capitalismo os torna ferramentas indispensáveis para a crítica social e para a busca por uma sociedade mais justa e humana.

A análise das crises capitalistas, como a de 1929 e as crises financeiras do século XXI, também se beneficia enormemente desses conceitos. A teoria da mais-valia revela que as crises de superprodução relativa não são falhas acidentais, mas manifestações agudas da contradição entre a capacidade produtiva do capitalismo e a restrição do consumo da maioria, devido à apropriação desigual da riqueza.1 A financeirização da economia e as políticas de austeridade, por exemplo, são compreendidas como estratégias do capital para manter a acumulação e o lucro, mesmo que isso signifique aprofundar a desigualdade e limitar o crescimento econômico para a maioria da população.1

Por fim, a Teoria Marxista da Dependência, ao introduzir o conceito de superexploração da força de trabalho, amplia a relevância desses conceitos para o cenário global. Ela explica como, em economias periféricas, a exploração é intensificada (com salários abaixo do valor real da força de trabalho, aumento da intensidade e prolongamento da jornada) para compensar perdas de lucratividade e manter a acumulação de capital em um contexto de intercâmbio desigual com os países centrais.14 A discussão sobre a expansão da superexploração para as economias centrais após a crise de 2008 demonstra a adaptabilidade e a contínua pertinência desses conceitos para analisar as dinâmicas do capitalismo globalizado.14

II. Potencialidades Transformadoras e Aplicações Práticas

As potencialidades transformadoras dos conceitos de práxis, exploração e mais-valia residem em sua capacidade de não apenas interpretar o mundo, mas de fornecer as bases para sua transformação. A práxis marxista, entendida como a união indissociável entre teoria e prática, é o motor da mudança social.17 Ao revelar a natureza objetiva da exploração, esses conceitos promovem a consciência de classe, que é o primeiro passo para a organização e a luta coletiva dos oprimidos.18 A compreensão de que o lucro capitalista deriva do trabalho não pago desmistifica a ideologia dominante e capacita os trabalhadores a reivindicar uma distribuição mais justa da riqueza que eles próprios produzem.

No campo das aplicações práticas, esses conceitos são fundamentais para a atuação de movimentos sociais e sindicatos. Eles fornecem o arcabouço teórico para a análise das condições de trabalho, a formulação de pautas de reivindicação (como aumento de salários, redução da jornada, melhores condições de segurança) e a organização de greves e protestos.4 A luta por direitos trabalhistas e sociais é, em essência, uma práxis política que busca limitar a extração de mais-valia e mitigar os efeitos da exploração, mesmo dentro dos limites do sistema capitalista.

Na esfera da educação, a pedagogia histórico-crítica, inspirada no marxismo, utiliza esses conceitos para promover uma práxis pedagógica transformadora. Ela busca desvelar as contradições do capitalismo e a lógica da exploração para que os estudantes desenvolvam uma consciência crítica da realidade social.19 Ao invés de uma educação neutra, essa abordagem visa capacitar os indivíduos a se tornarem agentes de mudança, capazes de questionar as estruturas de poder e contribuir para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.

As artes e a mídia também se beneficiam desses conceitos como ferramentas de crítica social. Charges, filmes, peças teatrais e outras manifestações artísticas podem ilustrar de forma didática e impactante a alienação do trabalhador, a apropriação do “sobretrabalho” e as relações desiguais entre as classes.7 Ao tornar visíveis e sensíveis as injustiças do sistema, a arte contribui para a formação de uma consciência crítica e pode inspirar a mobilização e a resistência, transformando a experiência individual da exploração em um catalisador para a ação coletiva.7

No âmbito da política, a teoria do Estado capitalista, influenciada por Marx e pensadores como Nicos Poulantzas, utiliza esses conceitos para analisar como o Estado, mesmo com sua autonomia relativa, atua na reprodução das relações de classe e na legitimação da exploração.6 Essa análise permite identificar os interesses de classe por trás das políticas públicas (como as de austeridade) e propor alternativas que visem a uma maior democratização da economia e da sociedade, buscando a superação da propriedade privada dos meios de produção e a construção de uma sociedade comunista, onde o livre desenvolvimento de cada um é condição para o livre desenvolvimento de todos.11

III. Novas Perguntas e Caminhos de Investigação

Apesar de sua robustez, os conceitos de práxis, exploração e mais-valia continuam a ser objeto de debates e abrem novas avenidas de investigação diante das transformações do capitalismo. Uma questão central para o século XXI é a validade da teoria do valor-trabalho no contexto do trabalho imaterial e digital. Como o valor é gerado e apropriado em setores onde a produção de conhecimento, comunicação e criatividade é predominante, e onde a “materialidade” do produto do trabalho é menos evidente? A teoria da mais-valia precisa ser reinterpretada para dar conta da exploração em plataformas digitais, na economia de dados e na automação avançada, onde o trabalho humano parece ser cada vez mais substituído por máquinas e algoritmos?.9

Outro caminho de investigação crucial é aprofundar a análise da superexploração em escala global. Se a superexploração, antes vista como um fenômeno restrito às economias periféricas, está se expandindo para os países centrais, quais são as implicações para a luta de classes internacional? Como as diferentes formas de exploração (mais-valia absoluta, relativa e superexploração) interagem e se reforçam em um cenário de cadeias globais de valor e financeirização crescente?.14 Essa investigação pode revelar novas formas de solidariedade e organização transnacional da classe trabalhadora.

A relação entre a práxis capitalista e a crise ambiental também demanda novas perguntas. Como a busca incessante por mais-valia e acumulação de capital impulsiona a degradação ambiental e a exploração dos recursos naturais? Quais são as potencialidades de uma práxis ecológica que se articule com a crítica marxista da exploração para propor um novo projeto civilizatório que não subordine a natureza à lógica do capital?.18

Além disso, é fundamental investigar a interseccionalidade da exploração. Como as categorias de classe, gênero e raça se entrelaçam para produzir níveis e formas diferenciadas de exploração? Como a análise marxista pode ser enriquecida por essas perspectivas para compreender as especificidades da exploração de mulheres, minorias étnicas e raciais, e outros grupos marginalizados, e como essas diferentes formas de opressão se conectam à apropriação da mais-valia?.9

Finalmente, a reconfiguração da práxis política e dos movimentos sociais no capitalismo contemporâneo é um campo fértil para novas pesquisas. Diante da fragmentação da classe trabalhadora, do enfraquecimento de sindicatos tradicionais e da ascensão de novas formas de controle social, quais são as novas estratégias e táticas de resistência e transformação? Como a práxis revolucionária pode se adaptar a um cenário de desinformação, polarização e vigilância digital para construir uma consciência crítica e mobilizar a ação coletiva em direção à emancipação humana?.10

A compreensão aprofundada da “práxis capitalista”, da “exploração” e da “mais-valia” é um convite a uma vasta rede de conhecimento que se estende por diversas disciplinas e gera debates contínuos. Para aqueles que desejam mergulhar ainda mais nesses conceitos fundamentais da crítica marxista, uma série de leituras complementares, autores-chave e recursos audiovisuais pode enriquecer significativamente a perspectiva. Esta seção visa guiar o leitor por esse universo, conectando os conceitos centrais a um ecossistema de ideias e discussões.

Ao explorar as obras e os autores sugeridos, o leitor poderá não apenas solidificar sua compreensão das definições formais e históricas da práxis capitalista, da exploração e da mais-valia, mas também apreciar a riqueza das interpretações e das controvérsias que cercam esses temas. A rede de links cruzados, por sua vez, permitirá navegar por conceitos correlatos, ampliando o horizonte semântico e aprofundando a análise das complexas dinâmicas do capitalismo.

I. Obras Fundamentais de Karl Marx e Friedrich Engels

Para uma imersão inicial e indispensável, as obras de Karl Marx e Friedrich Engels são o ponto de partida. Elas estabelecem os pilares da teoria da práxis, da exploração e da mais-valia, sendo a base para todas as discussões subsequentes.

  • Marx, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política (Volumes I, II e III). Esta é a obra magna de Marx, onde ele detalha a teoria do valor-trabalho, a origem da mais-valia (absoluta e relativa), o processo de acumulação de capital e as contradições inerentes ao capitalismo.1 O Volume I, em particular, é crucial para entender a exploração da força de trabalho.
  • Marx, Karl. “Teses sobre Feuerbach”. Um texto conciso, mas revolucionário, que sintetiza a concepção marxista da práxis como a união indissociável entre teoria e prática, e a necessidade de transformar o mundo em vez de apenas interpretá-lo.15
  • Marx, Karl e Engels, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Embora mais um panfleto político, esta obra apresenta de forma acessível a análise da luta de classes e a crítica ao capitalismo, conceitos intrinsecamente ligados à exploração e à mais-valia.16
  • Marx, Karl. Grundrisse: Manuscritos Econômicos de 1857-1858. Esta obra, embora não finalizada, oferece insights sobre o desenvolvimento do pensamento de Marx, incluindo discussões sobre o general intellect e o trabalho imaterial, que são relevantes para as revisitações contemporâneas da teoria do valor.19

II. Principais Vertentes Marxistas e Seus Autores-Chave

O marxismo não é um bloco monolítico; diversas escolas de pensamento desenvolveram e reinterpretaram os conceitos de práxis, exploração e mais-valia em diferentes contextos históricos e geográficos.

  • Marxismo Ocidental:
    • Antonio Gramsci: Sua “filosofia da práxis” valoriza a política e a ideologia, buscando uma filosofia que é também uma política, e vice-versa, essencial para a construção de uma visão de mundo global por grupos subalternos.15 Recomenda-se a leitura de seus Cadernos do Cárcere.
    • Max Horkheimer: Um dos fundadores da Escola de Frankfurt, sua Teoria Crítica busca esclarecer as forças da desigualdade social e guiar as forças políticas para a emancipação, respondendo à tese de Marx de que é preciso transformar o mundo.15
  • Teoria Marxista da Dependência (TMD):
    • Ruy Mauro Marini: Autor central da TMD, introduziu o conceito de “superexploração da força de trabalho” para explicar as especificidades do capitalismo nos países periféricos, onde a exploração é intensificada para compensar perdas de lucratividade.5
    • Marcelo Dias Carcanholo e Hugo Figueira Corrêa: Debatem a operacionalização e a atribuição da “superexploração” a Marx, oferecendo uma análise crítica das interpretações do conceito.5
  • Escola Francesa da Regulação (AR):
    • Robert Boyer e Michel Aglietta: Buscaram atualizar a análise de Marx sobre o modo de produção capitalista para compreender as transformações econômicas do século XX, desenvolvendo conceitos como regime de acumulação, modo de regulação e formas institucionais.20 A obra de Aglietta, “Régulation et crises du capitalisme” (1976), é um marco.
  • Teoria do Estado Capitalista:
    • Nicos Poulantzas: Sua obra Poder Político e Classes Sociais no Estado Capitalista oferece uma análise sofisticada da relação entre Estado, classes sociais e poder, rompendo com o economicismo e valorizando a política e a ideologia.20
  • Pedagogia Histórico-Crítica:
    • Dermeval Saviani: Propõe uma práxis pedagógica transformadora que, inspirada no materialismo histórico, busca desvelar as contradições do capitalismo e promover a consciência crítica nos estudantes.4

III. Críticas e Contrapontos à Teoria Marxista

Para uma visão equilibrada e aprofundada, é essencial conhecer as principais críticas e contrapontos à teoria marxista da exploração e mais-valia.

  • Escola Austríaca de Economia:
    • Carl Menger: Sua obra Princípios de Economia (1871) é fundamental para entender a Teoria Subjetiva do Valor, que se opõe à Teoria do Valor-Trabalho de Marx.8
    • Eugen von Böhm-Bawerk: Em “Sobre a conclusão do sistema marxiano” (1896), ele apresenta uma crítica detalhada às inconsistências lógicas da Teoria do Valor-Trabalho de Marx, especialmente no problema da transformação de valores em preços.8
    • Ludwig von Mises: Em “Socialismo: Uma Análise Econômica e Sociológica”, Mises questiona a possibilidade de assimilar diferentes tipos de trabalho a um denominador comum sem a avaliação do consumidor, criticando a base da TVT.8
  • Economia Neoclássica:
    • Alfred Marshall: Em seus Princípios de Economia, Marshall critica Marx ao argumentar que o lucro capitalista é uma recompensa justa pelos riscos assumidos, investimentos e trabalho administrativo, e que o valor é determinado pela oferta e demanda, não apenas pelo trabalho.8
  • Teorema de Okishio: Este teorema (1961) é frequentemente citado para refutar a lei da “Tendência da Taxa de Lucro a Cair” de Marx, sugerindo que a taxa de lucro pode, na verdade, aumentar sob certas condições.8

IV. Recursos Audiovisuais e Artísticos

Embora os materiais de pesquisa não citem documentários ou filmes específicos, a discussão sobre a representação da exploração e alienação na arte e na mídia sugere a relevância de obras que abordem esses temas.

  • Documentários e Filmes: Busque produções que retratem as condições de trabalho, a história dos movimentos operários, as crises econômicas e as desigualdades sociais. Filmes como “Tempos Modernos” (Charles Chaplin) são clássicos que ilustram a alienação e a exploração no contexto industrial. Documentários sobre a indústria fast fashion ou a gig economy podem oferecer exemplos contemporâneos de mais-valia e precarização.
  • Charges e Caricaturas: Explore coleções de charges políticas e sociais que, de forma didática e impactante, ilustram a subordinação dos trabalhadores ao sistema capitalista, a apropriação do “sobretrabalho” e o estranhamento do trabalhador em relação ao produto de seu labor.6

V. Links Cruzados para Verbetes Correlatos

Para ampliar a rede semântica e aprofundar a compreensão dos conceitos, explore os seguintes verbetes correlatos:

  • Alienação: Conceito que descreve o afastamento do trabalhador do produto de seu trabalho, do processo de produção, de sua própria essência e de seus semelhantes no capitalismo.1
  • Luta de Classes: O antagonismo fundamental entre a burguesia (detentora dos meios de produção) e o proletariado (vendedor da força de trabalho), impulsionado pela exploração e apropriação da mais-valia.1
  • Teoria do Valor-Trabalho: A base da teoria econômica marxista, que postula que o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho socialmente necessário para produzi-la.3
  • Capital Fictício: Conceito marxista que se refere a um capital economicamente improdutivo (como títulos e ações) que não participa do ciclo de produção e consumo, mas serve a propósitos políticos e de acumulação.9
  • Superexploração da Força de Trabalho: Conceito da Teoria Marxista da Dependência que descreve uma exploração intensificada, onde a força de trabalho é remunerada abaixo de seu valor real, comum em economias periféricas.5
  • Materialismo Histórico: O método de análise marxista que compreende a história como um processo de desenvolvimento das forças produtivas e das relações sociais de produção, impulsionado pela luta de classes.15
  • Teoria Crítica: Corrente filosófica da Escola de Frankfurt que busca uma tarefa epistemológica socialmente ativa, clarificando as forças da desigualdade social e guiando as forças políticas para a emancipação.15
  • Neoliberalismo: Ideologia e conjunto de políticas econômicas que promovem a desregulamentação, a privatização e a redução do papel do Estado, intensificando a lógica da acumulação e da exploração.7
  • Financeirização: O processo de crescente dominância do setor financeiro sobre a economia real, onde a acumulação de capital se dá cada vez mais através de operações financeiras, e não diretamente pela produção de mercadorias.7

Exploração e Mais-Valia

Introdução: Um Convite à Construção Coletiva do Conhecimento

Este verbete é concebido como um espaço dinâmico e colaborativo dedicado à compreensão aprofundada da “Práxis Capitalista: Exploração e Mais-Valia”. O objetivo central é fornecer uma análise rigorosa e didática dos conceitos fundamentais da teoria marxista, que continuam a ser ferramentas analíticas cruciais para desvendar as complexas dinâmicas socioeconômicas do mundo contemporâneo. A intenção é fomentar um engajamento crítico e contínuo com os mecanismos que moldam o capitalismo global, reconhecendo que a compreensão da realidade social é um processo em constante evolução.

Apesar de suas origens no século XIX, as teorias de Karl Marx, especialmente aquelas que abordam a exploração e a mais-valia, mantêm uma notável capacidade explicativa no século XXI. Sua relevância perdura ao iluminar fenômenos como o endividamento público crescente, a acentuada concentração de riqueza nas mãos de poucos e a precarização generalizada do trabalho, inclusive em setores emergentes como o do “trabalho imaterial”.1 Essa aplicabilidade contínua sublinha a robustez do arcabouço marxista em identificar as contradições inerentes e as relações de poder que estruturam o capitalismo.

Em consonância com o propósito de um recurso vivo e em constante aprimoramento, este verbete é um convite aberto à colaboração de leitores, especialistas e membros da comunidade. A concepção de um documento “vivo, plural e em constante expansão” ressoa profundamente com os fundamentos filosóficos do pensamento marxista. A abordagem de Marx, o materialismo histórico e dialético, compreende a realidade como uma totalidade em movimento perpétuo, marcada por contradições e superações.4 Nesse sentido, o conhecimento não é estático, mas se desenvolve através de um processo dinâmico de tese, antítese e síntese. A própria forma e o propósito do verbete — sua abertura à revisão, crítica e expansão — materializam a “práxis” que ele busca explicar. A solicitação de contribuições transcende um mero pedido de conteúdo; ela se torna um chamado à práxis coletiva na construção e no refinamento do conhecimento, transformando o verbete em um participante ativo na transformação intelectual que descreve. Contribuições na forma de críticas acadêmicas, revisões empíricas, exemplos contemporâneos da práxis capitalista e da exploração, e atualizações teóricas são essenciais para garantir que este recurso permaneça vibrante, abrangente e reflexivo dos desenvolvimentos intelectuais e sociais em curso.

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Tabela 2: Conceitos-Chave da Práxis Capitalista

Conceito-ChaveDefinição ConcisaInterrelação Fundamental
PráxisAtividade humana consciente, intencional e transformadora da realidade material e social.Base para a compreensão da ação humana no capitalismo e da possibilidade de sua superação.
Exploração CapitalistaApropriação do valor excedente (mais-valia) produzido pelo trabalho alheio pela classe capitalista.A práxis produtiva, sob o capitalismo, é o terreno onde a exploração se manifesta, gerando mais-valia.
Mais-Valia (Absoluta e Relativa)Valor do trabalho não pago ao trabalhador, apropriado pelo capitalista como lucro.A exploração é mensurada pela mais-valia, que é a fonte do lucro capitalista.
AlienaçãoEstranhamento do trabalhador em relação ao produto, processo de trabalho, sua própria essência e seus semelhantes.A alienação é uma consequência da exploração e, ao mesmo tempo, um mecanismo que a sustenta, dificultando a consciência de classe.
Relações de ClasseDivisão antagônica da sociedade entre proprietários dos meios de produção (burguesia) e vendedores da força de trabalho (proletariado).A exploração e a mais-valia são o cerne das relações de classe, impulsionando a luta entre elas.
Crises CapitalistasManifestações periódicas das contradições internas do sistema capitalista, resultantes da superprodução e subconsumo.As crises expõem as contradições geradas pela exploração e pela acumulação de mais-valia, que limitam a capacidade de consumo da sociedade.

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1. A Práxis Marxista: Fundamento da Ação e Transformação

Em sua essência, a práxis, no pensamento de Karl Marx, transcende a mera ação ou a reflexão teórica isolada; ela representa uma atividade humana fundamentalmente consciente, intencional e transformadora.5 É o processo pelo qual os seres humanos interagem com o mundo, modificando-o materialmente e, ao fazê-lo, modificando a si mesmos e suas relações sociais. Diferentemente de um animal, que age por instinto, o ser humano concebe idealmente o resultado desejado (o produto) em sua mente antes de iniciar a atividade física para alcançá-lo, revelando a capacidade distintiva da práxis humana de unir concepção e execução.5

Essa concepção de práxis forma o núcleo essencial da relação dialética entre teoria e prática no pensamento marxista. A verdade do pensamento humano, para Marx, não é uma questão puramente teórica ou escolástica, mas se prova e se verifica na prática.6 A vida social é intrinsecamente prática, e os mistérios que levam a teoria ao misticismo encontram sua solução racional na práxis humana e na compreensão dessa práxis.6 A práxis, nesse sentido, é o antídoto para a alienação. O conceito de práxis enfatiza a atividade humana consciente, proposital e transformadora, onde os indivíduos moldam seu mundo e a si mesmos.5 Em contrapartida, a alienação, que será detalhada em uma seção posterior, descreve o estranhamento do trabalhador em relação ao produto de seu trabalho, ao processo de produção, a seus semelhantes e à sua própria essência genérica.7 Se a práxis representa a plena realização do potencial humano através do engajamento criativo, então a alienação representa a negação ou supressão desse potencial. O sistema capitalista, ao mercantilizar o trabalho e fragmentar o processo produtivo, inibe ativamente o pleno exercício da práxis humana, transformando a atividade criativa em um meio de exploração e desumanização.

A práxis em Marx se desdobra em diversas dimensões interligadas:

  • Práxis Filosófica (Teórica): Esta dimensão da práxis em Marx é uma teoria que não é passiva, mas contém em si um núcleo teórico e prático, operando de forma dialética. Ela extrai conteúdo de uma prática prévia ou determina o conteúdo de uma prática posterior, reconhecendo seu próprio âmbito como um limite a ser transcendido pela vinculação consciente com a prática.6 Marx famosamente afirmou que os filósofos apenas interpretaram o mundo de diversas maneiras, mas o ponto é transformá-lo, enfatizando que a filosofia deve ser intrinsecamente ligada à atividade transformadora.6 A natureza didática da práxis em si é fundamental. O verbete, ao buscar ser didático e informativo, engaja-se em uma forma de “práxis educacional”. A práxis filosófica ou teórica, conforme definida por Marx, não se trata apenas de interpretar o mundo, mas de compreendê-lo para transformá-lo.6 Isso envolve intrinsecamente um processo de aprendizado e o desenvolvimento de uma consciência crítica. Assim, o ato de criar e disseminar este verbete didático é, em si, uma forma de práxis: uma atividade consciente e proposital que visa transformar a compreensão, um pré-requisito para uma transformação social mais ampla.
  • Práxis Produtiva: Considerada a base fundamental para a compreensão de todas as outras formas de práxis, refere-se à atividade humana envolvida na produção de bens na sociedade.5 Em O Capital, Marx dedica-se a desmistificar o processo de trabalho, que envolve a atividade orientada a um fim (o trabalho), seu objeto e seus meios. Através da práxis produtiva, os seres humanos mediam e controlam seu metabolismo com a natureza, transformando a matéria externa e, nesse processo, humanizando-a e criando valor, que, no capitalismo, é apropriado privadamente pelo capital.5 O trabalho é, assim, a mediação essencial entre o homem e a natureza, uma atividade criadora e transformadora.3
  • Práxis Política (Revolucionária): Representa a forma mais elevada de atividade prática transformadora na sociedade, pois envolve a ação humana sobre o próprio homem, lidando com a organização e modificação de grupos humanos em torno do poder do Estado.5 No contexto da luta de classes moderna, a práxis política se manifesta através de organizações como partidos políticos e movimentos sociais, que lutam pelos interesses de suas respectivas classes. Para o proletariado, isso pode envolver protestos, greves e, em última instância, ações revolucionárias visando a emancipação humana e a transformação radical da sociedade.5

A práxis é o elo indissociável que une o pensamento e a ação no marxismo. A reflexão teórica, para Marx, não deve se desvincular do mundo; ao contrário, ela deve emergir da concretude histórico-social e ter como objetivo primordial afetar o curso da mudança social.6 O método marxista, portanto, incorpora de forma inextricável a teoria e a prática, o concreto (material) e o abstrato (imaterial/espiritual), desafiando as dicotomias tradicionais.4 Nessa perspectiva, a história não é meramente produzida por ideias ou pelo pensamento autônomo, mas sim pela práxis humana, especialmente pela ação coletiva dos oprimidos. A libertação, nesse sentido, é compreendida como um ato histórico concreto, não apenas um ato de pensamento ou interpretação.4 A união entre teoria e prática é o que permite que a consciência crítica se transforme em força motriz para a mudança social.

2. Exploração Capitalista: A Essência da Relação de Capital

No sistema teórico de Karl Marx, o conceito de exploração é indissociável da lógica do capitalismo. Ele se refere fundamentalmente à apropriação, pela classe capitalista, do valor excedente produzido pela força de trabalho da classe operária.9 Essa apropriação ocorre porque o valor criado no processo produtivo é sistematicamente superior ao valor da força de trabalho, ou seja, ao salário pago ao trabalhador.9 A exploração econômica, portanto, manifesta-se quando uma parcela do produto social é apropriada por uma classe de não-produtores diretos.10

A exploração é considerada a pedra angular da estrutura do capitalismo, uma vez que o sistema se baseia na dominação intrínseca do capital sobre o trabalho assalariado. Essa dominação se concretiza através de mediações de segunda ordem, como a propriedade privada dos meios de produção, o intercâmbio capitalista e a divisão do trabalho, que materializam as relações sociais exploratórias.3

Marx reconhece que a exploração do trabalho de uma classe por outra não é exclusiva do capitalismo, tendo existido em formações sociais anteriores como o feudalismo ou a escravidão.11 Contudo, a exploração capitalista distingue-se radicalmente pela sua forma específica de ocorrência. Em sistemas pré-capitalistas, o trabalho não pago era evidente e coercitivo (e.g., corveia, trabalho escravo); no capitalismo, a exploração é mediada pela relação de valor e assume a “forma mercadoria”.9 A natureza oculta da exploração capitalista e suas implicações para a consciência são profundas. Os textos destacam que a exploração capitalista é singular por ser obscurecida pela “troca de equivalentes”.9 Ao contrário das formas pré-capitalistas, onde o trabalho não remunerado era visível e coercitivo, o sistema salarial cria a ilusão de uma troca justa. Essa “igualdade formal” 12 dissimula a apropriação subjacente da mais-valia. Essa aparência não é acidental; é um mecanismo ideológico crucial para a reprodução das relações capitalistas. Essa característica oculta torna a práxis da análise crítica e da conscientização, que é o próprio propósito deste verbete, ainda mais vital. Se o mecanismo de exploração não é imediatamente óbvio para o trabalhador, então o trabalho teórico se torna indispensável para desvendar suas operações subjacentes e capacitar a ação coletiva. Isso se conecta diretamente ao conceito marxista de “fetichismo da mercadoria”, que faz com que as relações sociais apareçam como relações entre coisas, obscurecendo as relações de trabalho exploratórias que as produzem.

A particularidade do capitalismo reside na aparência de uma “troca de equivalentes”: o trabalhador vende sua força de trabalho como uma mercadoria e recebe um salário que parece justo, correspondente ao valor de sua subsistência.9 No entanto, essa “igualdade formal” 12 encobre a desigualdade socioeconômica e a apropriação do valor excedente. A exploração capitalista, portanto, não se baseia em trocas desiguais, mas na diferença entre o valor total produzido pelos trabalhadores e o valor que eles efetivamente recebem como salário.10 A exploração é um imperativo estrutural, não uma falha moral. As definições de exploração a vinculam consistentemente à estrutura do capitalismo e ao seu modo de produção.9 As discussões sobre conceitos como “superexploração” 13 esclarecem que a análise de Marx não é primariamente uma condenação moralista de capitalistas individuais, mas uma descrição objetiva de como o sistema funciona. A exploração existe mesmo que os salários sejam “justos” ou acima da mera subsistência, desde que o trabalhador produza mais valor do que recebe em troca de sua força de trabalho. Isso significa que a exploração é uma necessidade sistêmica para a geração de lucro e a acumulação de capital, em vez de um resultado de ganância individual ou deficiências éticas. Essa compreensão implica que abordar a exploração de forma eficaz requer uma mudança sistêmica, e não apenas apelos éticos aos capitalistas ou reformas menores dentro da estrutura existente. Isso reforça o potencial revolucionário inerente à análise de Marx, pois o problema é estrutural e fundamental para a operação do capitalismo, exigindo uma transformação do próprio modo de produção.

A exploração não é um acidente ou uma falha do capitalismo, mas sim um mecanismo fundamental para a geração de lucro e a acumulação de capital.9 Essa característica é possibilitada pela separação estrutural entre os detentores da força de trabalho (o proletariado) e os detentores dos meios de produção (a burguesia).9 Essa divisão obriga o trabalhador a vender sua única posse, a força de trabalho, ao capitalista. A busca incessante pela realização da mais-valia, que a transforma em lucro, impulsiona a concorrência entre capitalistas e a constante introdução de novas tecnologias.9 Esse processo também gera um “exército industrial de reserva” (desempregados), que, por sua vez, mantém os salários baixos ao nível de subsistência, intensificando ainda mais a exploração e a acumulação de capital.9

3. Mais-Valia: A Medida da Exploração

A mais-valia é o conceito fulcral na teoria marxista, representando a interpretação do lucro e servindo como a base para compreender o funcionamento intrínseco do sistema capitalista.14 Formalmente, é definida como a diferença entre o valor total que um trabalhador produz através de seu trabalho e o valor que ele recebe como salário.14 Essa diferença constitui o “trabalho excedente”, que é o tempo de trabalho pelo qual o operário não é remunerado, e cujo valor é apropriado pelo capitalista.

Marx explica que a mais-valia é o acréscimo de valor que se soma ao capital inicial investido na produção, sendo a fonte do lucro.9 A taxa de mais-valia, também conhecida como taxa de exploração, é a relação entre a mais-valia (s) e o capital variável (v), que representa o valor da força de trabalho. Em termos práticos, é a proporção entre o tempo de trabalho excedente e o tempo de trabalho necessário para a reprodução da força de trabalho do operário.9

3.1. Mais-Valia Absoluta: Explicação e Exemplos Contemporâneos

A mais-valia absoluta é gerada principalmente pelo prolongamento da jornada de trabalho, além do tempo necessário para que o trabalhador produza o valor equivalente ao seu salário, sem que haja um aumento proporcional na remuneração.14 Marx ilustra isso com o exemplo de um trabalhador cujo salário é coberto em dez dias de trabalho, mas que é obrigado a trabalhar os vinte dias restantes do mês sem remuneração adicional; essa riqueza produzida nos dias não pagos constitui a mais-valia absoluta.15

No capitalismo atual, a mais-valia absoluta pode se manifestar de diversas formas. Um exemplo é o “trabalho não remunerado”, onde se espera que funcionários estejam disponíveis ou realizem tarefas fora do horário de trabalho regular, sem compensação adicional, como responder a e-mails ou chamadas após o expediente.7 Outras formas incluem o aumento da intensidade do trabalho dentro da mesma jornada, forçando o trabalhador a produzir mais em menos tempo sem aumento salarial, ou simplesmente o aumento do número de trabalhadores empregados em condições de jornada estendida.9

3.2. Mais-Valia Relativa: Explicação e Exemplos Contemporâneos

A mais-valia relativa é extraída sem necessariamente alterar o número de horas trabalhadas, mas através de melhorias nos processos técnicos de trabalho que aumentam a produtividade.14 Isso pode ser alcançado pela introdução de novas tecnologias, máquinas mais rápidas, métodos de produção mais eficientes, ou pela reorganização do processo de trabalho que permite ao trabalhador produzir mais em um período de tempo menor.14 Com essas inovações, o tempo de trabalho necessário para produzir o valor da subsistência do trabalhador diminui, prolongando o tempo de trabalho excedente dentro da mesma jornada.14

A automação industrial é um exemplo clássico de geração de mais-valia relativa. Se uma empresa introduz máquinas que permitem aos trabalhadores dobrar a produção de itens por hora, mas seus salários permanecem os mesmos, a empresa se apropria do valor adicional gerado por essa maior produtividade como mais-valia relativa.7 A otimização de processos logísticos, o uso de inteligência artificial para aumentar a eficiência, ou a pressão por metas de produtividade cada vez maiores em setores de serviço também são manifestações modernas dessa modalidade de mais-valia.

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Tabela 1: Comparativo entre Mais-Valia Absoluta e Relativa

CaracterísticaMais-Valia AbsolutaMais-Valia Relativa
DefiniçãoValor excedente gerado pelo prolongamento da jornada de trabalho.Valor excedente gerado pelo aumento da produtividade do trabalho.
Mecanismo de ExtraçãoAumento da duração do dia de trabalho; aumento do número de trabalhadores; intensificação do trabalho na mesma jornada.Revolução dos processos técnicos de trabalho; uso de novas tecnologias; reorganização eficiente do trabalho.
Impacto no TrabalhadorAumento da carga física e mental; redução do tempo livre para reprodução social e pessoal.Aumento da intensidade e ritmo de trabalho; exigência de novas qualificações sem aumento salarial proporcional; potencial desemprego tecnológico.
Exemplos ContemporâneosHoras extras não pagas; expectativa de disponibilidade fora do expediente (e-mails, chamadas); jornadas exaustivas em setores de serviço.Automação industrial; otimização de processos por IA; pressão por metas de produtividade crescentes; “uberização” do trabalho.
Limites/FlexibilidadeLimitada pela duração física do dia e pela resistência dos trabalhadores.Mais flexível, impulsionada pelo avanço tecnológico e organizacional, mais difícil de resistir diretamente.

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Para Marx, a apropriação da mais-valia pelo capitalista não é apenas a fonte do lucro, mas o motor fundamental da acumulação de capital e, consequentemente, da desigualdade social inerente ao sistema capitalista.7 A incessante competição entre capitalistas impulsiona uma busca contínua por formas de aumentar a mais-valia, seja pela extensão da jornada de trabalho ou pela intensificação da produtividade.7 A relação dialética entre a mais-valia absoluta e relativa e sua trajetória histórica é um ponto crucial. Marx afirma que “A produção de mais-valia absoluta gira exclusivamente em torno da duração da jornada de trabalho; a produção da mais-valia relativa revoluciona totalmente os processos técnicos de trabalho e as combinações sociais”.14 Isso evidencia uma interação dinâmica e muitas vezes sequencial. Enquanto a mais-valia absoluta possui limites físicos inerentes (um dia não pode exceder 24 horas, e os trabalhadores necessitam de descanso e reprodução), a mais-valia relativa é mais “flexível” e, de certa forma, mais difícil para os trabalhadores resistirem diretamente, pois está ligada ao progresso tecnológico e aos ganhos de eficiência.10 Isso implica uma trajetória histórica no desenvolvimento capitalista: à medida que os limites da extensão da jornada de trabalho são alcançados (devido à resistência dos trabalhadores, legislação ou limites biológicos), o sistema passa a depender cada vez mais da produção de mais-valia relativa. Isso impulsiona a inovação contínua, o desenvolvimento tecnológico e a reorganização dos processos de trabalho. Essa dinâmica explica por que o capitalismo é intrinsecamente revolucionário em suas forças produtivas, transformando constantemente sua base tecnológica. Contudo, essa transformação intensifica a exploração de uma forma mais sutil e mediada pela tecnologia, tornando a luta contra ela mais complexa. Sugere também uma tendência ao aumento do desemprego tecnológico (“exército industrial de reserva”) à medida que o capital substitui o trabalho vivo pelo trabalho morto (maquinário) para aumentar a mais-valia relativa.9

Um aspecto crucial da mais-valia no capitalismo é que a forma salário oculta a divisão real do dia de trabalho entre o tempo de trabalho necessário (pago) e o tempo de trabalho excedente (não pago). Essa ocultação faz com que todo o trabalho pareça remunerado, mascarando a exploração e a apropriação do trabalho alheio, ao contrário de sistemas anteriores onde o trabalho não pago era visível.10 O papel do “capital fictício” e da dívida pública em mascarar e gerenciar a mais-valia é outro aspecto relevante. O conceito de “capital fictício” (financeirização) está diretamente ligado à crescente massa de mais-valia apropriada pela elite.2 As dívidas públicas são apresentadas como um “saldo negativo necessário” que contrabalança o “saldo positivo problemático” dos lucros dos bilionários (que é essencialmente mais-valia acumulada).2 As políticas keynesianas, embora não marxistas, são interpretadas como um mecanismo para corrigir a “falta de demanda efetiva” ao devolver o poder de consumo à classe trabalhadora, efetivamente “devolvendo” uma parte da mais-valia extraída para estimular a economia.2 Por outro lado, as políticas neoliberais de austeridade, ao combater o consumo, servem aos interesses financeiros e promovem o “lucro por espoliação”, exacerbando o problema subjacente da extração de mais-valia.2 Isso revela um mecanismo macroeconômico mais profundo de reprodução capitalista na era contemporânea. A dívida pública e a financeirização não são apenas fenômenos financeiros; são mecanismos compensatórios ou agravantes para o problema fundamental da extração de mais-valia e seu impacto na demanda. O keynesianismo tenta reinjetar demanda em um sistema sufocado pela extração de mais-valia, enquanto o neoliberalismo, ao priorizar o capital financeiro, concentra ainda mais a riqueza, mesmo à custa do crescimento produtivo. Isso demonstra como o problema fundamental da mais-valia (levando ao subconsumo e às crises) é gerenciado ou agravado através de políticas estatais e financeiras. A exploração torna-se menos visível nos processos de produção diretos, mas mais disseminada na estrutura econômica e política geral, destacando a adaptabilidade da “práxis” do capital na manutenção da acumulação.

4. Alienação e Relações de Classe: Consequências Sociais da Práxis Capitalista

Para Marx, a alienação (ou estranhamento) é uma condição intrínseca ao modo de produção capitalista, onde o trabalhador se torna alheio e estranho a diversos aspectos de sua própria atividade e existência.7 Primeiramente, há o estranhamento em relação ao produto de seu trabalho: o operário não possui o que produz, e o produto se torna uma força externa e hostil, um objeto que o domina.7 Em segundo lugar, a alienação ocorre em relação ao processo de produção (a própria atividade de trabalho): o trabalho não é uma expressão livre e criativa do ser humano, mas uma atividade forçada e externa, um meio para a subsistência, não um fim em si.7

Essa “desrealização do operário” e a “perda do objeto e servidão ao objeto” resultam da objetivação do trabalho, que, no capitalismo, leva à coisificação do homem e ao seu empobrecimento existencial.3 O trabalhador perde a noção do que está produzindo e das especificidades de seu trabalho devido à divisão especializada e em série, tornando-se um mero executor de uma etapa da produção.7 Essa falta de domínio sobre a totalidade do processo e do produto final contribui para a perda de controle sobre sua própria vida e destino. A alienação, nesse contexto, atua como uma ferramenta estratégica para sustentar a exploração. Os textos explicitam que a alienação “desempenha um papel fundamental para que a burguesia possa aumentar a exploração do trabalhador” e “dificulta a união dos trabalhadores para derrubar a burguesia do poder”.7 Isso estabelece uma ligação causal direta e crítica: a alienação não é meramente um subproduto infeliz da produção capitalista; é um mecanismo ativo e funcional que facilita e mantém a extração de mais-valia. Ao fragmentar a consciência do trabalhador, ao desvinculá-lo do valor pleno e do significado de seu trabalho, e ao isolá-lo de seus colegas, a alienação efetivamente suprime o desenvolvimento da consciência de classe e da agência coletiva, reduzindo assim o potencial de resistência organizada contra a exploração.

A divisão social do trabalho, aliada à propriedade privada dos meios de produção, é o motor da polarização da sociedade capitalista em duas classes fundamentais e antagônicas: a burguesia e o proletariado.14 A burguesia detém o controle dos meios de produção (capital, fábricas, maquinário), enquanto o proletariado, desprovido desses meios, possui apenas sua força de trabalho.14 Essa relação de produção, que regula a distribuição dos meios de produção e dos produtos, é a base da organização social capitalista.8

Os interesses dessas duas classes são fundamentalmente opostos e irreconciliáveis. O proletariado é forçado a vender sua força de trabalho ao capitalista para garantir sua subsistência, permitindo que a burguesia se aproprie da produção excedente e, consequentemente, do lucro gerado pelo trabalho alheio.9 A mais-valia, nesse contexto, evidencia as disparidades e as relações de poder inerentes ao sistema de produção capitalista, revelando a exploração da força de trabalho como a base do lucro capitalista.7

Para Marx, a história de toda sociedade até então é a história da luta de classes.5 As contradições inerentes ao sistema capitalista, como o aumento da massa de despossuídos que sofrem com a pobreza e a degradação, em contraste com a vasta acumulação de bens e riquezas nas mãos de poucos, criam as condições objetivas para a transformação social.8 Essas crises e disparidades expõem o “conflito de classes” e a capacidade do capitalismo de pauperizar a classe trabalhadora, mesmo em um contexto de avanço tecnológico.2 O Estado, nesse contexto, atua como um aparato para a manutenção das relações de classe e da exploração. A teoria do Estado de Marx, conforme apresentada nos textos, postula que ele representa primordialmente os interesses da classe dominante.17 O Estado cria aparatos legais e coercitivos (a “infraestrutura” e a “superestrutura”) para manter a estrutura de produção existente, impor normas ideológicas e garantir a reprodução legal da dominação burguesa e da propriedade privada.17 Mesmo quando aparenta ser autônomo ou um “árbitro parcial”, o Estado, em última instância, defende os interesses do capital.17 Isso estabelece que os fenômenos econômicos de exploração e antagonismo de classe não são isolados, mas são ativamente apoiados, legitimados e impostos pela superestrutura política. O Estado fornece o arcabouço legal, institucional e coercitivo necessário para a contínua extração de mais-valia e a manutenção do poder de classe.

Marx acreditava que caberia apenas ao proletariado, ao tomar consciência de sua condição de classe explorada, deixar de ser um mero produto do determinismo histórico e se tornar o agente ativo dessa transformação.8 Por meio de um processo revolucionário, os proletários de todo o mundo poderiam eliminar as condições de apropriação e concentração dos meios de produção, pondo fim à burguesia e instaurando, transitoriamente, uma ditadura do proletariado, que seria uma fase necessária para a realização de uma forma de organização social comunista, onde o livre desenvolvimento de cada um seria a condição para o livre desenvolvimento de todos.5

5. Crises Capitalistas: Contradições Inerentes ao Sistema

Para Marx, as crises não são acidentes ou falhas pontuais do sistema capitalista, mas sim manifestações intrínsecas e inevitáveis de suas contradições internas.9 Ele as denominava “crises de sobreprodução relativa”, entendendo-as como soluções violentas e temporárias para os desequilíbrios gerados pelo próprio modo de produção.9 A estrutura do capitalismo, baseada na exploração incessante, expropriação e dominação do capital sobre o trabalho, é a causa raiz dessas crises.3 As crises, nesse contexto, são características inerentes, não acidentais, do capitalismo. Os textos de pesquisa consistentemente enfatizam que as crises capitalistas são “inerentes” 9 e “estruturais” 3 ao sistema. Elas não são choques externos aleatórios ou meros erros de política, mas sim “soluções violentas e momentâneas” para as contradições internas geradas pela busca incessante de mais-valia e pelo problema resultante do subconsumo.9 Essa perspectiva desafia fundamentalmente as visões econômicas predominantes que frequentemente atribuem as crises a fatores externos ou imperfeições de mercado. Em vez disso, posiciona as crises como mecanismos necessários, embora destrutivos, para que o sistema se “reinicie”, restaure a lucratividade e reconfigure a acumulação, muitas vezes às custas da classe trabalhadora e do bem-estar social. Isso reforça a ideia de que uma mudança fundamental e sistêmica, em vez de meras reformas incrementais, é necessária para superar essas instabilidades cíclicas.

A dinâmica da acumulação capitalista, impulsionada pela busca por mais-valia, paradoxalmente, gera uma “acumulação de miséria, tormento de trabalho, escravidão, ignorância, brutalidade e degradação moral no polo oposto”.3 Essa polarização social e econômica é um sintoma das contradições que, em última instância, levam o sistema a seus momentos de crise.

A apropriação da mais-valia pela classe capitalista resulta em uma concentração de renda no topo da pirâmide social, o que, por sua vez, limita o poder de consumo da vasta maioria da população.9 Essa restrição do consumo da classe trabalhadora impede que o ciclo de oferta e demanda se feche adequadamente, levando a crises de “superprodução” em relação à capacidade de consumo da sociedade.9 As crises, nesse sentido, expõem abertamente o “conflito de classes” ao revelar a capacidade inerente do capitalismo de pauperizar a classe trabalhadora, mesmo em um contexto de avanços tecnológicos e produtivos.2 A busca incessante por mais-valia impulsiona a concorrência entre capitalistas, levando à constante introdução de novas tecnologias e ao aumento da produtividade (mais-valia relativa). Contudo, esse mesmo processo também gera um “exército industrial de reserva” (desempregados) e mantém os salários baixos, agravando o problema do subconsumo e realimentando o ciclo de crises.9

No contexto contemporâneo, as dívidas públicas podem ser interpretadas, sob uma ótica marxista, como uma “devolução” da mais-valia retirada da classe trabalhadora.2 Essa “devolução” é vista como necessária para reativar a demanda e a produção, garantindo a sobrevivência do capitalismo após grandes crises, como a de 1929. Keynes, embora não fosse um marxista, reconheceu a “falta de demanda efetiva” e a necessidade de o Estado intervir para corrigir essa falha, transformando trabalhadores em consumidores.2 A evolução do gerenciamento de crises e o papel adaptativo do Estado são notáveis. A trajetória histórica delineada nos textos, desde a resposta keynesiana à crise de 1929 (onde o Estado interveio para estimular a demanda, efetivamente “devolvendo” a mais-valia extraída) até a era neoliberal (caracterizada pela austeridade, financeirização e “lucro por espoliação”) 2, revela uma evolução dinâmica na forma como as crises capitalistas são gerenciadas. O Estado, inicialmente teorizado como um instrumento coercitivo de dominação de classe 17, adapta seu papel. Ele pode se tornar mais ativo na regulação social 17 ou, sob o neoliberalismo, desmantelar ativamente as proteções sociais e priorizar os interesses do capital financeiro, mesmo à custa de um crescimento econômico mais amplo.2 Isso demonstra que a “práxis” da classe capitalista e do Estado (agindo em seu nome) não é estática, mas se adapta estrategicamente para manter a acumulação e a legitimidade. A transição de um “Estado desenvolvimentista” para um “Estado financeirizado” reflete uma mudança no equilíbrio de poder e uma redefinição de como o valor é extraído e distribuído.

O neoliberalismo, que se consolidou a partir dos anos 1980, com suas políticas de austeridade, representa um novo formato do conflito de classes. Nesse modelo, o “capital fictício” (financeirização) passa a influenciar diretamente a esfera política, buscando um capitalismo majoritariamente financeiro e rentista.2 A austeridade, ao combater a expansão do consumo e desmantelar direitos sociais, transfere a “questão social” para a responsabilidade individual, comunitária e familiar, o que leva ao crescimento da pobreza, exclusões e concentração de riquezas, reproduzindo os erros que precederam a crise de 1929 e favorecendo o “lucro por espoliação”.2

6. Debates e Vertentes Contemporâneas do Marxismo

A teoria do valor-trabalho de Marx, que postula que o valor das mercadorias é determinado pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzi-las, enfrenta questionamentos no século XXI, particularmente com a crescente expansão do trabalho imaterial e intelectual e o advento das Novas Tecnologias da Informação e Comunicação (NTICs).1 O debate central reside em como o valor é medido e formado no capitalismo contemporâneo, especialmente quando o produto não é um bem material tangível, mas sim serviços, informações ou conhecimento. Autores como Gorz, Hardt e Negri, influenciados por uma leitura específica dos Grundrisse de Marx e o conceito de “general intellect” (a inteligência coletiva e o conhecimento social acumulado), sugerem que a ascensão do trabalho imaterial pode sinalizar uma potencial ruptura das forças produtivas dentro do próprio sistema capitalista, indicando um momento crucial de transformação nos modos de produção.1

A Teoria Marxista da Dependência (TMD), desenvolvida por pensadores como Ruy Mauro Marini, introduz o conceito de “superexploração da força de trabalho” como um mecanismo central e permanente nas economias periféricas.18 Marini esclarece que a superexploração não é idêntica à mais-valia absoluta, pois também inclui o aumento da intensidade do trabalho e a redução do consumo do operário abaixo de seu limite normal, convertendo o “fundo necessário” do operário em “fundo de acumulação de capital”.18 Este mecanismo é crucial para compensar as perdas de lucratividade dos capitalistas dependentes, decorrentes do intercâmbio desigual com os países centrais.18 Alguns autores da segunda geração da TMD, como Carlos Eduardo Martins e Jaime Osorio, argumentam que a superexploração se expandiu para as economias centrais, especialmente após a crise de 2008, devido à financeirização e às cadeias globais de valor.18 Há, contudo, um debate interno significativo sobre se Marx “previu” ou implicitamente desenvolveu uma “teoria da superexploração”. Corrêa e Carcanholo, por exemplo, criticam essa atribuição a Marx, argumentando que a categoria de “superexploração” é alheia ao seu arcabouço categorial e que Marx já explicou as formas de intensificação da exploração através das modalidades de mais-valia.13

A Escola Francesa da Regulação (AR) surgiu em meados da década de 1970 com o objetivo de desenvolver e atualizar a análise de Marx sobre o modo de produção capitalista, buscando compreender as transformações econômicas do século XX.19 Essa abordagem introduziu conceitos fundamentais como regime de acumulação, modo de regulação e formas institucionais (relação salarial, moeda, concorrência, Estado e inserção internacional).19 A AR analisa como um conjunto de instituições (o “modo de regulação”) garante a viabilidade de um determinado padrão de crescimento (o “regime de acumulação”) em um espaço e tempo específicos. Quando esse regime ou modo de regulação entra em crise, inicia-se um período de mudança institucional que pode levar a um novo tipo de capitalismo.19 O fordismo, caracterizado por salários crescentes e Estado intervencionista, é um exemplo central de regime de acumulação intensiva com regulação monopolista analisado pela escola.19 Críticos, no entanto, apontam que a AR, ao se afastar da teoria básica de Marx, perdeu uma visão geral do capitalismo, adotou um viés nacional e subestimou o papel da coerção e das tendências de longo prazo do capitalismo, como a desindustrialização e a luta de classes.19

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Tabela 3: Vertentes e Críticas ao Marxismo: Um Panorama

Vertente/Escola de PensamentoPrincipais Conceitos/ArgumentosRelação com Exploração/Mais-ValiaPrincipais Autores
Teoria Marxista da Dependência (TMD)Superexploração da força de trabalho; intercâmbio desigual; desenvolvimento do subdesenvolvimento.A superexploração é um mecanismo permanente em economias periféricas para compensar perdas no intercâmbio desigual, indo além da mais-valia absoluta/relativa.Ruy Mauro Marini, Theotonio dos Santos, Vania Bambirra, Marcelo Carcanholo, Carlos Eduardo Martins, Jaime Osorio.
Escola Francesa da Regulação (AR)Regime de acumulação; modo de regulação; formas institucionais (relação salarial, moeda, concorrência, Estado, inserção internacional); fordismo.Analisa como instituições regulam a extração de mais-valia e a acumulação de capital em diferentes períodos e contextos, como o fordismo.Robert Boyer, Michel Aglietta, Alain Lipietz.
Críticas Liberais/NeoclássicasMobilidade social; lucro como recompensa por risco e investimento; oferta e demanda determinam preço/valor.Rejeitam a mais-valia como exploração, vendo o lucro como justo e necessário para o dinamismo econômico.Alfred Marshall, Ludwig von Mises (e Escola Austríaca).
Críticas da Escola Austríaca (Böhm-Bawerk)Teoria Subjetiva do Valor; falhas lógicas na Teoria do Valor-Trabalho; contradição entre valor e preço de produção.Argumentam que a teoria da mais-valia de Marx é internamente inconsistente e que o lucro não deriva exclusivamente do trabalho não pago.Eugen von Böhm-Bawerk, Carl Menger, Ludwig von Mises.
Debates sobre Trabalho Imaterial“General intellect”; potencial de ruptura das forças produtivas; valorização do conhecimento.Questiona como a teoria do valor-trabalho se aplica à produção de valor em atividades não tangíveis e baseadas em conhecimento.André Gorz, Michael Hardt, Antonio Negri.

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As principais críticas não marxistas à teoria da mais-valia e exploração provêm de diversas correntes. Os adeptos do liberalismo econômico e da economia neoclássica geralmente rejeitam a teoria da mais-valia. Eles argumentam que o capitalismo é o primeiro sistema econômico a oferecer mobilidade social, discordando da noção de luta de classes.14 Além disso, não veem injustiça no lucro do capitalista, considerando-o uma recompensa necessária pelos riscos assumidos, pelos investimentos de capital e pelo trabalho administrativo e inovador do empreendedor, que impulsionam a economia.14 Alfred Marshall, por exemplo, criticou Marx ao afirmar que a produção não é apenas produto do trabalho dos operários, mas também do empregador e do capital investido, e que o preço é determinado pela oferta e demanda, não apenas pelo trabalho.21

As críticas da Escola Austríaca, notadamente de Eugen von Böhm-Bawerk, em sua obra “Sobre a conclusão do sistema marxiano”, apontam falhas lógicas internas à Teoria do Valor-Trabalho de Marx. Böhm-Bawerk questiona a abstração incompleta do valor de uso por Marx e a exclusão da terra como mercadoria, argumentando que ser produto do trabalho não é um atributo comum a todas as mercadorias.22 A crítica mais significativa de Böhm-Bawerk reside na contradição entre a Lei do Valor (que implica que a mais-valia é proporcional ao capital variável) e a tendência observada na realidade de equalização da taxa de lucro entre setores com diferentes composições orgânicas de capital. Ele argumenta que a tentativa de Marx de resolver essa contradição no Volume III de “O Capital” implica o abandono da própria Lei do Valor.22 Há também questionamentos sobre a previsão de Marx de que a taxa de lucro tenderia a cair no capitalismo (Teorema de Okishio).21 Ludwig von Mises, da Escola Austríaca, criticou a dificuldade de assimilar diferentes tipos de trabalho a um denominador comum sem a avaliação do consumidor, indicando uma falha no argumento de Marx sobre o valor.21

Apesar das significativas divergências teóricas, tanto internas (como a Teoria Marxista da Dependência e a Escola da Regulação, ou os debates sobre a superexploração) quanto externas (como a Escola Austríaca e o liberalismo), os conceitos centrais de Marx — exploração, mais-valia e luta de classes — consistentemente servem como ponto de partida para essas discussões teóricas.14 Mesmo quando os críticos visam refutar Marx, eles frequentemente se engajam diretamente com suas premissas e categorias. Isso sugere que, independentemente do acordo ou desacordo, o arcabouço de Marx oferece uma lente poderosa e indispensável para compreender e debater as dinâmicas fundamentais do capitalismo. A própria existência e persistência desses debates, mesmo aqueles que buscam desacreditar Marx, confirmam o poder analítico duradouro e a importância fundamental de seus conceitos. Eles não são meras curiosidades históricas, mas continuam a moldar o discurso intelectual contemporâneo sobre o capitalismo.

A discussão em torno do “trabalho imaterial” 1 e do conceito de “superexploração” 18 destaca um aspecto crucial da “práxis” capitalista: sua adaptabilidade. O capitalismo não é estático; ele encontra continuamente novas formas de extrair mais-valia à medida que as forças produtivas e as relações sociais evoluem. Enquanto Marx analisou principalmente o capitalismo industrial, marxistas posteriores têm se debruçado sobre novas manifestações de exploração na era da informação (por exemplo, a exploração do conhecimento, as cadeias globais de valor, o trabalho precarizado). O debate interno, por exemplo, sobre se a “superexploração” é uma categoria marxista distinta ou uma forma específica e intensificada de exploração 13, exemplifica a práxis teórica contínua para refinar o arcabouço e capturar essas realidades em evolução. Isso demonstra que a “práxis capitalista” em si é dinâmica e adaptativa. O sistema inova continuamente seus métodos de extração de valor, exigindo uma “práxis” teórica paralela (análise crítica e refinamento conceitual) para acompanhar essas mudanças.

Conclusão: Práxis, Crítica e o Futuro do Verbete

A práxis marxista emerge como uma ferramenta analítica e transformadora de importância inquestionável para a compreensão do capitalismo. A análise sintetizada neste verbete reitera que a práxis, enquanto unidade dialética entre teoria e prática, é indispensável para desvendar as complexas e frequentemente ocultas dinâmicas de exploração e mais-valia que operam no capitalismo.6 A abordagem marxista transcende a mera descrição do mundo; ela oferece as ferramentas conceituais e o imperativo para sua transformação radical, ao expor as contradições inerentes que impulsionam o sistema. A exploração e a mais-valia não são acidentes ou falhas éticas do capitalismo, mas características estruturais e fundamentais para sua existência e acumulação. Essas características são a fonte das contradições internas do sistema, que se manifestam em crises recorrentes e na polarização social, tornando a crítica marxista um ponto de partida vital para qualquer projeto de mudança social.9

Este verbete, portanto, não se apresenta como uma verdade final ou um compêndio estático, mas como um organismo de conhecimento em contínuo desenvolvimento. Seu caráter “vivo, plural e em constante expansão” reconhece que a compreensão da práxis capitalista é um campo dinâmico, que exige a constante incorporação de novas análises, perspectivas e exemplos empíricos para se manter relevante e preciso. A vitalidade do verbete reside em sua capacidade de absorver e integrar o debate em curso, refletindo as manifestações contemporâneas do capitalismo e as respostas teóricas a elas.

Concluímos reafirmando o convite à colaboração. A vitalidade, a profundidade e a relevância deste verbete dependem intrinsecamente da participação ativa e da diversidade de perspectivas da comunidade. Convidamos leitores, especialistas e membros da comunidade a contribuir enviando críticas construtivas, propondo revisões de conteúdo, compartilhando exemplos práticos e contemporâneos de exploração e mais-valia (especialmente em novas formas de trabalho e setores), e sugerindo atualizações teóricas ou novas vertentes de debate. Essa colaboração transforma o verbete em uma verdadeira práxis coletiva de construção do conhecimento, um espaço onde a teoria e a prática se encontram para iluminar e, potencialmente, transformar a realidade social.

Exploração e Mais-Valia na Contemporaneidade – Elementos Humanos, Institucionais e Referências Essenciais

Resumo Executivo

A práxis capitalista, entendida como a dinâmica intrínseca de acumulação de capital baseada na exploração do trabalho e na apropriação da mais-valia, permanece um conceito central na análise crítica das sociedades contemporâneas. Este relatório explora os fundamentos teóricos da práxis, exploração e mais-valia, delineando suas manifestações e as vertentes de debate que moldam sua compreensão no século XXI. Além disso, identifica e descreve os principais coletivos, redes transnacionais, ONGs, órgãos multilaterais, plataformas digitais, e lideranças indígenas, feministas e jovens ativistas que se engajam na crítica a este sistema. Por fim, apresenta um panorama das universidades, centros de pesquisa, revistas acadêmicas e mídias alternativas que servem como referências e repositórios para o aprofundamento deste debate. A análise revela a natureza multifacetada da exploração capitalista e a diversidade de atores e instituições que buscam contestá-la e propor alternativas, evidenciando a contínua relevância da teoria marxista para a compreensão dos desafios globais atuais.

Introdução

O conceito de práxis capitalista, enraizado na obra de Karl Marx, oferece uma lente analítica fundamental para compreender as dinâmicas de poder e as desigualdades estruturais inerentes ao modo de produção dominante. No cerne dessa práxis reside a exploração do trabalho e a apropriação da mais-valia, mecanismos que, segundo a teoria marxista, são a fonte primária do lucro e da acumulação de capital. Embora formulados no século XIX, esses conceitos mantêm uma notável relevância para a análise das complexas transformações socioeconômicas do mundo contemporâneo, desde a financeirização global até a ascensão da economia de plataforma.

Este relatório se propõe a desdobrar a compreensão da práxis capitalista, da exploração e da mais-valia em sua dimensão teórica e prática. O objetivo é identificar e descrever os elementos humanos e institucionais que, em suas diversas formas de atuação, se engajam na crítica, denúncia e busca por alternativas a este sistema. Adicionalmente, serão listadas e explicadas as principais referências acadêmicas e midiáticas que alimentam e aprofundam esse debate, fornecendo um panorama abrangente das fontes de conhecimento e ativismo nesse campo.

I. Fundamentos Teóricos: Práxis, Exploração e Mais-Valia

1.1. O Conceito de Práxis em Marx e sua Evolução

A práxis, no pensamento marxista, é muito mais do que a simples execução de uma tarefa ou a formulação de uma teoria; ela representa a atividade humana consciente e intencional que transforma a realidade material e social. Ao intervir no mundo, os seres humanos não apenas modificam o ambiente externo, mas também, nesse processo, transformam sua própria natureza e as relações sociais. Essa concepção dialética entre o pensamento e a ação é o núcleo essencial da práxis, servindo como a base para a compreensão e a superação das contradições inerentes ao modo de produção capitalista.1 Marx expressou essa ideia de forma concisa em sua 11ª tese sobre Feuerbach, ao afirmar que “Os filósofos apenas interpretaram o mundo de diversas maneiras; a questão é transformá-lo”, sublinhando que a verdade do pensamento humano se manifesta na prática e na capacidade de alterar as condições existentes.1

Marx identificou três dimensões interconectadas da práxis, que se manifestam como ação prática na realidade. A primeira é a práxis filosófica ou teórica, que não é uma contemplação abstrata, mas uma teoria que reconhece suas próprias limitações e busca transcendê-las por meio de sua vinculação consciente com a prática, servindo como um guia para a ação transformadora. A filosofia, para Marx, deve se tornar prática, e a prova de sua verdade reside na capacidade de transformar o mundo.2 Em segundo lugar, a práxis produtiva constitui a base material de toda a atividade humana. É por meio do trabalho que os seres humanos mediam, regulam e controlam seu metabolismo com a natureza, transformando a matéria externa e, ao fazê-lo, modificando sua própria natureza. No capitalismo, essa atividade geradora de produtos e valores é apropriada privadamente pelo capital.2 Por fim, a práxis política ou revolucionária é a forma mais elevada de atividade transformadora na sociedade. Ela envolve a ação humana direcionada aos próprios seres humanos, lidando com a organização e modificação de grupos humanos em torno do poder do Estado. No contexto da luta de classes moderna, a práxis política se manifesta através de organizações como partidos políticos e associações que lutam pelos interesses de suas respectivas classes, visando à emancipação humana.2

A práxis marxista não é meramente um conceito descritivo, mas uma força motriz para a transformação social. A distorção da práxis produtiva no capitalismo, manifestada pela alienação e exploração, é a causa que exige uma práxis política revolucionária. Quando o trabalho se torna alienado, o operário se empobrece à medida que produz mais riqueza, perdendo o domínio sobre o objeto de seu trabalho e sobre si mesmo.3 Essa “desrealização do operário” e a “servidão ao objeto” são consequências da objetivação, que é a coisificação do homem.3 Essa condição de exploração e alienação, inerente ao modo de produção capitalista, cria as contradições que impulsionam a necessidade de uma ação transformadora. A filosofia, nesse sentido, não pode se manter neutra ou desvinculada da realidade; ela deve emergir da concretude histórico-social e se desenvolver em consonância com o exercício pleno da emancipação social. Assim, o conhecimento é intrinsecamente ligado à ação e à luta de classes, pois a produção da consciência é uma consequência da vida material e social, e não o contrário, como postulado pelo idealismo hegeliano.1 A compreensão desse vínculo é crucial para que os indivíduos e coletivos possam agir de forma consciente e direcionada para a superação das desigualdades e opressões.

1.2. Exploração e Mais-Valia: Pilares da Crítica Marxista ao Capitalismo

A exploração capitalista constitui o cerne da crítica marxista ao sistema, estando intrinsecamente ligada à teoria da mais-valia. A mais-valia é definida como a diferença entre o valor que um trabalhador produz com seu trabalho e o salário que ele recebe em troca. Em essência, é o valor excedente gerado pelo trabalho não pago, que é então apropriado pelo capitalista como lucro.5 Marx, baseando-se na teoria do valor-trabalho, argumentou que o valor criado no processo produtivo é superior ao valor da força de trabalho, sendo este último o custo de reprodução da subsistência do trabalhador.5 Essa apropriação do trabalho não pago é o que garante os lucros da empresa e evidencia o caráter exploratório das relações de trabalho capitalistas.7

Marx identificou duas modalidades principais pelas quais a mais-valia é extraída. A primeira é a mais-valia absoluta, que é gerada pelo prolongamento da jornada de trabalho além do tempo necessário para o trabalhador produzir o valor de sua subsistência, sem um aumento proporcional no salário.5 Um exemplo contemporâneo dessa modalidade é o fenômeno do “trabalho não remunerado”, onde se espera que funcionários estejam disponíveis fora do horário regular de trabalho sem remuneração adicional, resultando na apropriação gratuita desse tempo pelo empregador.8 A segunda modalidade é a mais-valia relativa, obtida através do aumento da produtividade do trabalho. Isso é alcançado pela introdução de novas tecnologias, métodos de produção mais eficientes ou pela reorganização do processo de trabalho, permitindo que o trabalhador produza mais em menos tempo. Consequentemente, o tempo de trabalho necessário para cobrir o salário diminui, prolongando o tempo de trabalho excedente apropriado pelo capitalista.5 A automação industrial, onde máquinas permitem que trabalhadores produzam o dobro de itens por hora com o mesmo salário, é um exemplo claro de como a mais-valia relativa é gerada no capitalismo atual.8

A mais-valia não é apenas uma métrica de exploração, mas um mecanismo que oculta a apropriação do trabalho não pago, naturalizando a desigualdade como lucro legítimo. A forma salário, ao remunerar o trabalhador por sua força de trabalho, dissimula a divisão do dia de trabalho entre trabalho necessário e excedente, fazendo com que todo o trabalho pareça pago.9 Essa aparência de troca justa esconde a exploração subjacente, contribuindo para que o lucro seja percebido como um resultado natural do capital, em vez de uma apropriação do valor gerado pelo trabalho. Essa naturalização é fundamental para a reprodução do sistema capitalista, pois obscurece a contradição central entre capital e trabalho. A busca incessante por mais-valia, tanto absoluta quanto relativa, impulsiona a inovação tecnológica e a reestruturação produtiva. No entanto, essa mesma busca simultaneamente agrava a alienação e a precarização do trabalho, intensificando as contradições inerentes ao capitalismo.5 A acumulação de capital, movida pela concorrência entre capitalistas, leva à introdução contínua de tecnologia para aumentar a produtividade e, consequentemente, a mais-valia relativa.5 Esse processo, contudo, gera desemprego estrutural, precarização ilimitada, rebaixamento salarial e perda de direitos, como observado na crise estrutural do capitalismo.3 A alienação, por sua vez, ao afastar o trabalhador do produto final de seu trabalho e dos processos de produção, dificulta a consciência e a união dos trabalhadores, facilitando a exploração e garantindo o aumento do lucro capitalista.8

1.3. Vertentes e Debates Contemporâneos sobre Exploração e Mais-Valia

O debate sobre exploração e mais-valia no marxismo contemporâneo é vasto e multifacetado, dando origem a diversas vertentes teóricas que buscam atualizar e aprofundar a análise de Marx. Uma das mais influentes é a Teoria Marxista da Dependência (TMD), desenvolvida por autores como Ruy Mauro Marini e Marcelo Carcanholo. A TMD argumenta que a superexploração da força de trabalho é um mecanismo central e permanente nas economias periféricas, servindo para compensar as perdas de lucratividade dos capitalistas dependentes devido ao intercâmbio desigual com os países centrais.10 Essa superexploração se manifesta pelo aumento da intensidade do trabalho, prolongamento da jornada e/ou redução do consumo do operário abaixo do limite normal, o que, na prática, transforma o fundo de salário em fundo de acumulação de capital.10 Em um desenvolvimento mais recente, autores como Carlos Eduardo Martins e Jaime Osorio defendem que a superexploração se expandiu para as economias centrais, impulsionada pela financeirização e pelas cadeias globais de valor, evidenciando a natureza global e mutável da exploração.10

Outra vertente significativa é a Escola Francesa da Regulação (AR), que emergiu na década de 1970 com o objetivo de desenvolver e atualizar a análise de Marx para compreender as transformações econômicas do século XX. Essa abordagem introduziu conceitos como regime de acumulação, modo de regulação e formas institucionais, buscando explicar as regularidades e crises do capitalismo.11 Embora inicialmente enraizada no marxismo, a AR evoluiu para uma abordagem mais historicista e institucional, o que gerou críticas por supostamente se afastar de uma teoria geral do capitalismo baseada em Marx. Essa mudança teria dificultado a compreensão de tendências de longo prazo, como a desindustrialização e a luta de classes, e subestimado o papel central da coerção na manutenção da hegemonia política.11 Essa tensão interna no marxismo contemporâneo, entre aprofundar a crítica sistêmica e focar em análises mais historicistas ou institucionais, revela a complexidade da aplicação da teoria marxista a realidades em constante mudança.

A expansão do trabalho imaterial e a ascensão da economia de plataforma representam um desafio significativo para as formas tradicionais de mensuração da mais-valia e para a organização da classe trabalhadora. A validade da teoria do valor-trabalho é questionada em relação à produção de trabalho imaterial e intelectual, exigindo uma reinterpretação de como o valor é formado no capitalismo contemporâneo.13 Além disso, a nova divisão internacional do trabalho, a fragmentação da classe trabalhadora e a intersecção de classe, gênero e raça na exploração demandam uma análise mais sofisticada da teoria de classes de Marx.13 A economia gig, com plataformas digitais como Uber e Upwork, exemplifica como o trabalho é reorganizado, com controle algorítmico e frequente classificação errônea de trabalhadores como autônomos, negando-lhes direitos trabalhistas e dificultando a negociação salarial.14 Essas novas formas de trabalho intensificam a exploração e exigem novas abordagens para a organização e regulação do trabalho.

As críticas não-marxistas à teoria da mais-valia e exploração evidenciam uma incompatibilidade fundamental de paradigmas. A Escola Austríaca de economia, por meio de figuras como Böhm-Bawerk, aponta o que considera falhas lógicas internas na teoria marxiana. Ele critica a abstração do valor de uso, a não exclusão justificada de outros atributos comuns às mercadorias (como a escassez ou ser produto natural como a terra), e a contradição entre a lei do valor (que prevê mais-valor proporcional ao capital variável) e a realidade da equalização da taxa de lucro entre setores.19 Para Böhm-Bawerk, a solução de Marx no Volume III de O Capital, que implica que algumas mercadorias são vendidas acima e outras abaixo de seu valor para equalizar a taxa de lucro, significaria um “abandono da Lei do Valor”.20 O liberalismo econômico, por sua vez, rejeita a ideia de luta de classes e a noção de explícita exploração, defendendo que o lucro capitalista é uma recompensa justa pelos riscos assumidos, pelos investimentos e pelo trabalho administrativo do capitalista.6 Essa perspectiva argumenta que o capitalismo oferece mobilidade social e que o lucro é essencial para movimentar a economia e incentivar investimentos.6 Essas críticas não são meros desacordos factuais, mas um choque de estruturas ontológicas e epistemológicas: enquanto Marx vê a exploração como uma característica sistêmica e oculta do capitalismo, os críticos a negam, a redefinem como resultado de mercado ou a consideram uma falha lógica na teoria.

II. Elementos Humanos e Institucionais na Crítica à Práxis Capitalista

2.1. Coletivos e Redes Transnacionais

A crítica à práxis capitalista e à exploração se materializa em uma série de coletivos e redes transnacionais que buscam contestar o poder corporativo e promover a justiça social em escala global. O Movimento por Justiça Global, frequentemente referido como movimento alter-globalização ou anti-globalização, é uma rede difusa de indivíduos e grupos que se opõem ao que chamam de “globalização corporativa” e defendem a distribuição equitativa de recursos econômicos.22 Embora a mídia mainstream o rotule como “anti-globalização”, seus participantes insistem que apoiam a globalização da comunicação e das pessoas, mas se opõem à expansão global do poder corporativo e às políticas neoliberais de instituições financeiras internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio (OMC). Essas instituições são vistas como minando a tomada de decisões locais e perpetuando a exploração.22

A Progressive International (PI) representa uma articulação mais recente e formalizada de forças progressistas globais. Fundada em 2020, a PI tem como propósito “unir, organizar e mobilizar as forças progressistas do mundo” para combater o ressurgimento do nacionalismo autoritário e o que denominam “capitalismo de desastre”.25 Composta por mais de 70 grupos membros, incluindo sindicatos (como a Central Única dos Trabalhadores – CUT do Brasil), partidos políticos, organizações camponesas e movimentos sociais (como o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto – MTST no Brasil e o Sunrise Movement nos EUA), a PI atua através de iniciativas como seu Observatório, que monitora ataques à democracia, e o Tribunal de Belmarsh, que defende a liberdade de imprensa.25 Essas redes enfatizam a solidariedade transnacional entre o Norte e o Sul Global para construir um contraponto ao poder concentrado do capital. A presença de sindicatos, ONGs, grupos estudantis e movimentos de base nessas redes transnacionais demonstra que a luta contra a práxis capitalista é multifacetada e exige a articulação de diversos atores sociais para construir uma solidariedade global e um contraponto ao poder concentrado do capital.22

O Movimento por Justiça Global e a Progressive International representam uma evolução nas redes anticapitalistas, que se movem da crítica à “globalização corporativa” para uma articulação mais explícita contra o “capitalismo de desastre” e o nacionalismo autoritário, ampliando a base de atuação e as táticas de resistência. O Movimento por Justiça Global, com sua oposição ao “fundamentalismo de livre mercado”, foi um precursor na denúncia das instituições financeiras globais.22 A Progressive International, por sua vez, aprofunda essa crítica ao focar no “capitalismo de desastre” e no nacionalismo autoritário, reconhecendo que o sistema capitalista atual não apenas explora economicamente, mas também se manifesta em crises políticas e sociais.25 Essa mudança no foco demonstra uma compreensão mais abrangente das manifestações contemporâneas da práxis capitalista, que exige táticas de resistência mais amplas, desde a denúncia de abusos corporativos até o monitoramento de ameaças à democracia. A interconexão de sindicatos, ONGs, grupos estudantis e movimentos de base nessas redes transnacionais sublinha que a luta contra a exploração capitalista é complexa e exige a colaboração de diversos atores sociais. A “movimento de movimentos” e a “união das forças progressistas” são estratégias que reconhecem que nenhum grupo isolado pode efetivamente desafiar o capitalismo global, e que a solidariedade entre diferentes esferas de atuação é essencial para construir um poder coletivo capaz de enfrentar a natureza sistêmica da exploração capitalista.22

Tabela 1: Principais Redes e Coletivos Transnacionais

Nome da Rede/ColetivoMini-perfil/Foco PrincipalBandeiras/CausasIniciativas ChaveLinks Relevantes
Movimento por Justiça Global (Alter-globalização)Rede difusa de indivíduos e grupos que se opõem à globalização corporativa e promovem a distribuição equitativa de recursos.Oposição a instituições financeiras internacionais (FMI, Banco Mundial, OMC), fim do poder corporativo, justiça econômica e ambiental, comércio justo.Protestos contra reuniões de órgãos multilaterais (ex: G8, FMI/Banco Mundial), Fóruns Sociais Mundiais, advocacy por regras de comércio justo.Wikipedia: Global Justice Movement, Wikipedia: Anti-globalization movement
Progressive International (PI)Organização política internacional que une e mobiliza forças progressistas de esquerda para combater o nacionalismo autoritário e o capitalismo de desastre.Unir, organizar e mobilizar forças progressistas globais, combater o capitalismo de desastre, defender a democracia, justiça social, climática e de gênero.Observatório (monitora ataques à democracia), Tribunal de Belmarsh (defesa da liberdade de imprensa), Fórum pela Paz, Wire Service (serviço de notícias).Wikipedia: Progressive International
Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST)Movimento social brasileiro de base, com projeto político anticapitalista, focado na luta por moradia e direitos sociais para trabalhadores precarizados.Luta por moradia e terra, reforma urbana, combate ao desemprego, racismo e sexismo, construção de uma sociedade socialista.Ocupações urbanas, luta direta, formação política de base, construção de identidade coletiva.(https://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Graduacao/CienciasSociais/Dissertacoes/goulart_dc_do_mar.pdf)

2.2. Organizações Não Governamentais (ONGs)

As Organizações Não Governamentais (ONGs) desempenham um papel crucial na denúncia e combate a formas específicas de exploração e desigualdade geradas pela práxis capitalista, embora com abordagens que variam de reformas sistêmicas a contestações radicais. A Anti-Slavery International, por exemplo, trabalha para eliminar a escravidão moderna e o trabalho forçado em cadeias de suprimentos globais, buscando a implementação de leis que responsabilizem as empresas por abusos e atuando como um “amigo crítico” para as corporações. A organização tem obtido sucessos em campanhas, como o fim do trabalho forçado na produção de algodão no Uzbequistão, demonstrando uma abordagem que busca influenciar e reformar as práticas empresariais dentro do sistema existente.26 De forma complementar, a Connecting Heart Initiative, através de seu Blooming Dames Centre, busca capacitar mulheres em situações de exploração, visando a sua dignidade e a construção de meios de subsistência sustentáveis, focando na reabilitação e empoderamento individual e comunitário.27

Em contraste, outras ONGs adotam uma postura mais diretamente crítica ao sistema capitalista. A Oxfam é um exemplo proeminente, publicando relatórios contundentes que expõem a crescente desigualdade global. A organização argumenta que a riqueza bilionária é frequentemente “não-ganha”, proveniente de cronyism, monopólio e herança, e que o Sul Global continua a pagar um “aluguel” financeiro ao Norte Global, perpetuando um “colonialismo moderno”.28 Essa análise da Oxfam posiciona a desigualdade não como uma falha do sistema, mas como uma consequência de sua lógica estrutural de extração de valor. No contexto brasileiro, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) opera com um projeto explicitamente anticapitalista, identificando o capitalismo como a raiz do desemprego, racismo e sexismo.29 O MTST prioriza a “luta direta” e as ocupações urbanas como instrumentos centrais para construir resistência territorial e poder popular, criticando a institucionalização de movimentos que, em sua visão, perdem a capacidade de transformação ao se alinhar com a burguesia e o Estado.29 Essa diversidade de abordagens entre as ONGs ilustra um espectro de engajamento que vai da reforma à contestação radical do sistema.

As ONGs apresentam um espectro de abordagens na crítica ao capitalismo e à exploração, que varia desde a reforma sistêmica até a contestação radical e anticapitalista. Organizações como a Anti-Slavery International e o Center for Economic and Social Justice (CESJ) exemplificam a abordagem reformista. A Anti-Slavery International trabalha com empresas para identificar e eliminar o trabalho forçado em cadeias de suprimentos, buscando a implementação de leis e a adoção de práticas de “due diligence” corporativa.26 O CESJ, por sua vez, propõe uma “Terceira Via Justa” para transcender o capitalismo e o socialismo, focando na democratização da propriedade do capital para garantir acesso equitativo aos meios de produção.30 Essas abordagens, embora visem reduzir a exploração, operam dentro da lógica do sistema existente, buscando aprimorá-lo ou oferecer alternativas que não impliquem sua derrubada completa.

Em contraste, movimentos como o MTST e relatórios de organizações como a Oxfam demonstram uma postura mais abertamente anticapitalista. O MTST, com seu projeto político explícito de construção de uma sociedade socialista, rejeita a institucionalização e prioriza a “luta direta” e as ocupações como formas de confrontar o sistema.29 A Oxfam, ao denunciar a “riqueza não-ganha” e o “colonialismo moderno” como inerentes ao capitalismo, sugere que a desigualdade é um resultado estrutural, e não uma falha a ser corrigida por reformas marginais.28 Essa diversidade de visões reflete diferentes compreensões sobre a natureza da exploração e a possibilidade de mudança dentro ou fora do sistema capitalista. Além disso, muitas ONGs e movimentos sociais, como o MTST e a Connecting Heart Initiative, reconhecem e combatem a exploração não apenas como uma questão de classe, mas também através de suas intersecções com gênero, raça e outras formas de opressão.26 A perspectiva feminista marxista, por exemplo, destaca a indissociabilidade das lutas contra o capitalismo e o patriarcado, argumentando que o capitalismo se beneficia e reproduz múltiplas desigualdades, como a desvalorização do trabalho doméstico não remunerado e a perpetuação das lacunas salariais de gênero.31 Essa abordagem aprofunda a compreensão da práxis capitalista como um sistema que se beneficia e reproduz múltiplas desigualdades, exigindo uma luta interseccional para sua superação.

Tabela 2: ONGs Relevantes e suas Bandeiras

Nome da ONGMini-perfil/Foco PrincipalBandeiras/CausasIniciativas PrincipaisLinks Relevantes
Anti-Slavery InternationalOrganização que combate a escravidão moderna e o trabalho forçado em cadeias de suprimentos globais.Eliminação da escravidão moderna, trabalho forçado, proteção dos direitos trabalhistas, responsabilização corporativa.Campanhas por leis nacionais e internacionais, consultoria a empresas (“amigo crítico”), parcerias para acabar com trabalho forçado (ex: algodão no Uzbequistão).(https://www.antislavery.org/what-we-do/responsible-business/)
Connecting Heart InitiativeONG que busca capacitar mulheres em situações de exploração, visando dignidade e subsistência sustentável.Empoderamento de mulheres vulneráveis, superação de exploração e ocupações prejudiciais, dignidade e meios de vida sustentáveis.Blooming Dames Centre (apoio e recursos para mulheres), transição para carreiras dignas, discipulado baseado na fé, cuidados informados sobre trauma.(https://thenationonlineng.net/ngo-seeks-support-in-fight-against-exploitation/)
OxfamConfederação global de ONGs focada na redução da pobreza e injustiça.Combate à desigualdade extrema, fim da pobreza, justiça econômica, ambiental e de gênero, crítica ao “colonialismo moderno” e riqueza não-ganha.Publicação de relatórios anuais sobre desigualdade (ex: “Takers Not Makers”), advocacy por mudanças nas políticas econômicas globais, campanhas contra o poder corporativo.World Economic Forum: Oxfam report on inequality
Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST)Movimento social brasileiro de base, com projeto político anticapitalista, focado na luta por moradia e direitos sociais para trabalhadores precarizados.Luta por moradia e terra, reforma urbana, combate ao desemprego, racismo e sexismo, construção de uma sociedade socialista.Ocupações urbanas, luta direta, formação política de base, construção de identidade coletiva.(https://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Graduacao/CienciasSociais/Dissertacoes/goulart_dc_do_mar.pdf)
Center for Economic and Social Justice (CESJ)Organização educacional sem fins lucrativos que promove uma abordagem de livre empresa baseada na justiça econômica e social, buscando transcender capitalismo e socialismo.Dignidade e empoderamento de cada pessoa, acesso equitativo à propriedade do capital, “Just Third Way” (Terceira Via Justa), justiça social.Pesquisa e educação sobre economia binária e “Capital Homesteading”, advocacy por reformas monetárias, fiscais e de herança.(https://www.cesj.org/)

2.3. Órgãos Multilaterais

Órgãos multilaterais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), desempenham um papel central na promoção de direitos trabalhistas e justiça social globalmente. A OIT, uma agência tripartite da ONU que reúne governos, empregadores e trabalhadores, dedica-se a estabelecer e promover padrões internacionais de direitos no trabalho, como a liberdade de associação, negociação coletiva, e a eliminação do trabalho forçado e infantil.34 A organização também busca criar oportunidades para emprego decente, fortalecer a proteção social e o diálogo social, e lidera a Coalizão Global pela Justiça Social, contribuindo com recomendações para o G20 sobre como abordar a desigualdade, especialmente a queda da participação do trabalho na renda nacional.35 A OIT, desde sua fundação em 1919, baseia-se na premissa de que a justiça social é essencial para a paz universal e duradoura, e sua estrutura tripartite única garante que as visões de trabalhadores, empregadores e governos sejam igualmente representadas na definição de padrões e políticas trabalhistas.35

O Banco Mundial e as Nações Unidas (ONU) também abordam questões de exploração e desigualdade, embora com abordagens que podem ser vistas como mais alinhadas à manutenção do sistema capitalista. O Banco Mundial, por exemplo, diferencia a exploração consensual (ligada à falta de oportunidades econômicas e tratada por leis trabalhistas e sociais) da não-consensual (tráfico humano, tratada por leis criminais). Suas análises mostram que choques econômicos aumentam a vulnerabilidade ao tráfico humano, e o Banco Mundial busca fortalecer esforços em áreas como acesso à justiça para os pobres e proteção de migrantes.37 A Nova Agenda para a Paz da ONU, por sua vez, oferece uma crítica robusta à economia política global e às instituições que perpetuam desigualdades, questionando legados históricos como o colonialismo e a escravidão, e a “profundamente injusta” arquitetura financeira global (incluindo o próprio Banco Mundial e o FMI).39 Embora a agenda da ONU identifique essas injustiças como causas de desigualdade e conflito, as soluções propostas, como a melhoria da implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), são vistas como não refletindo uma visão igualmente transformadora, e a responsabilidade primária pela prevenção de conflitos e construção da paz ainda recai sobre os Estados-membros.39

A atuação desses órgãos multilaterais, embora essencial para a promoção de direitos e a mitigação de desigualdades, frequentemente opera dentro do arcabouço do sistema capitalista, focando em reformas e mitigação em vez de transformação sistêmica. A OIT, por exemplo, busca estabelecer padrões e políticas que garantam “trabalho decente” e proteção social, mas o faz através do diálogo entre governos, empregadores e trabalhadores, o que pressupõe a existência e continuidade das relações capitalistas de produção.35 O Banco Mundial, ao diferenciar tipos de exploração e propor soluções baseadas em leis trabalhistas e justiça criminal, também se insere em uma lógica de correção de falhas de mercado e proteção de vulneráveis, sem questionar a raiz estrutural da exploração.37 A eficácia desses órgãos pode ser limitada pela primazia da soberania dos Estados-nação e pelas próprias estruturas econômicas que eles visam regular. As recomendações da OIT para o G20, por exemplo, enfatizam o aumento da demanda agregada por empregos de qualidade e políticas redistributivas, mas a queda da participação do trabalho na renda nacional continua sendo uma tendência de longo prazo, indicando que as forças do capital muitas vezes superam os esforços regulatórios.36 A Nova Agenda para a Paz da ONU critica a arquitetura financeira global e as instituições por perpetuarem a desigualdade, mas as reformas propostas podem ser lentas demais ou insuficientes para alterar o modelo político-econômico dominante.39 Isso demonstra que, embora os órgãos multilaterais sejam importantes plataformas para o debate e a ação, sua capacidade de transformar a práxis capitalista é condicionada pelas relações de poder globais e pela resistência a mudanças sistêmicas.

2.4. Plataformas Digitais

A ascensão das plataformas digitais e da economia gig representa uma nova fronteira da práxis capitalista, reconfigurando as relações de trabalho e intensificando a exploração através de mecanismos algorítmicos. Empresas como Uber, Upwork e TaskRabbit transformaram a organização do trabalho, conectando trabalhadores a empregadores através de aplicativos e websites, o que altera dinamicamente a programação, a atribuição de tarefas e as estruturas de compensação.14 No entanto, essa flexibilidade prometida frequentemente vem acompanhada de uma precarização das condições de trabalho. Muitos trabalhadores dessas plataformas são classificados como autônomos ou “independent contractors”, mesmo quando suas condições de trabalho sugerem uma relação de emprego.14 Essa classificação errônea permite que as plataformas evitem obrigações trabalhistas tradicionais, como seguro, licença médica, férias, licença parental, contribuições para a segurança social e negociação coletiva, resultando em salários mais baixos e exposição a riscos ocupacionais.15

A exploração na economia de plataforma é intensificada pelo uso de algoritmos opacos que controlam a contratação, a compensação, a disciplina e até mesmo o desligamento dos trabalhadores. Esses algoritmos monitoram cada movimento dos trabalhadores, incluindo dados de localização, comportamento (velocidade, frenagem, aceitação de pedidos) e comunicações, e podem levar a desativações automáticas sem transparência ou devido processo.17 A remuneração é frequentemente imprevisível e unilateralmente definida pelas plataformas, com pouca ou nenhuma informação sobre como o pagamento é calculado, o que dificulta a avaliação da viabilidade dos trabalhos e a negociação salarial.17 Além disso, as plataformas utilizam técnicas de gamificação e bônus para incentivar os trabalhadores a permanecerem online por mais tempo e aceitarem mais trabalhos, mesmo que financeiramente desvantajosos, criando uma “gamblificação algorítmica” que impõe altos riscos financeiros aos trabalhadores.17

A intensificação da exploração através do controle algorítmico e da classificação errônea do trabalho nas plataformas digitais desafia as leis trabalhistas tradicionais e exige novas formas de regulação e organização coletiva. A opacidade dos algoritmos e a unilateralidade na definição de pagamentos criam um ambiente onde o trabalhador perde o controle sobre sua própria força de trabalho e o valor que ela gera, tornando a mais-valia ainda mais invisível e difícil de contestar.17 Em resposta a esses desafios, órgãos e iniciativas internacionais buscam regulamentar a economia de plataforma. A União Europeia, por exemplo, aprovou uma diretiva sobre trabalhadores de plataforma que visa presumir uma relação de emprego quando há controle e direção reais por parte da plataforma, além de exigir transparência algorítmica e proteção contra demissões automatizadas.14 A Federação Internacional dos Trabalhadores em Transportes (ITF Global) também estabeleceu princípios para empregadores da economia gig, defendendo a classificação correta do emprego, controle humano sobre o software, contratos justos, direitos de dados dos trabalhadores, software neutro em termos de gênero, acesso a proteções sociais e o pagamento de impostos pelas empresas.15 Essas iniciativas demonstram a necessidade de adaptar as ferramentas de luta e regulação para enfrentar as novas manifestações da práxis capitalista no ambiente digital, buscando garantir que os benefícios das plataformas sejam compartilhados de forma mais equitativa e que os trabalhadores possam prosperar nesse novo mundo do trabalho.18

2.5. Lideranças e Ativistas Relevantes

2.5.1. Lideranças Indígenas

As lideranças indígenas oferecem uma profunda e singular crítica ao capitalismo, que transcende a mera exploração do trabalho para abarcar a aniquilação de modos de vida, culturas e a própria natureza. Ailton Krenak, um proeminente líder indígena brasileiro, descreve o capitalismo como uma “praga” e uma “metástase” que consome tudo.40 Para ele, os povos indígenas não são o “vírus” que impede o progresso, mas sim o “anticorpo” contra essa doença capitalista. Krenak denuncia a agenda neoliberal que busca invisibilizar os povos indígenas para se apropriar de suas terras e negar sua existência, classificando-a como uma política de extermínio não apenas de indivíduos, mas do “comum”, que, uma vez erradicado, deixaria apenas o “individualismo doentio do capitalismo”.40 Krenak também refuta a ideia de que os indígenas se integrarão à economia capitalista ou enriquecerão com a mineração, chamando-a de “golpe” e alertando que o capitalismo, ao cooptar e mercantilizar tudo, transforma-se em “necrocapitalismo”, onde a vida e a natureza são tratadas como mercadorias reproduzíveis ou descartáveis.40

Outra figura relevante é Howard Adams, um socialista Métis do Canadá, que articulou a libertação indígena com a revolução da classe trabalhadora. Adams argumentou que a opressão dos povos indígenas estava profundamente enraizada no sistema capitalista e não poderia ser eliminada sem o fim do próprio capitalismo.42 Ele criticou as narrativas históricas eurocêntricas e expôs as raízes capitalistas da formação do Estado canadense, mostrando como o racismo surgiu de fatores econômicos para reduzir os povos nativos a um “nível sub-humano onde poderiam ser livremente explorados” como mão de obra barata.42 Adams, uma figura chave no movimento Red Power, defendeu a reconstrução de comunidades indígenas em bases comunais e cooperativas, e buscou alianças entre povos indígenas, trabalhadores e outros grupos oprimidos, reconhecendo que a libertação indígena era intrinsecamente a mesma luta contra a classe dominante capitalista.42 Essas lideranças indígenas oferecem uma crítica multifacetada do capitalismo, que vai além da exploração econômica para incluir a dimensão ecológica, cultural e existencial da dominação, ligando-a intrinsecamente ao colonialismo e à destruição ambiental.

2.5.2. Lideranças Feministas

As lideranças feministas têm desenvolvido uma crítica incisiva ao capitalismo, destacando a interconexão da exploração econômica com o patriarcado, o racismo e outras formas de opressão. Nancy Fraser, uma proeminente teórica feminista, propõe uma teoria crítica abrangente do capitalismo que o vê não apenas como um sistema econômico, mas como uma ordem social institucionalizada com múltiplas contradições estruturais. Ela argumenta que o capitalismo depende de “terrenos ocultos” ou “condições de possibilidade” que são externalizados e “canibalizados” para gerar lucro, como o trabalho de reprodução social (cuidado não remunerado, principalmente por mulheres), a natureza (recursos extraídos sem custo total de reprodução) e o trabalho não-livre ou semi-livre de populações racializadas.43 Fraser analisa como o capitalismo se beneficia da desvalorização do trabalho de cuidado e da apropriação de riqueza e trabalho de comunidades racializadas, e como a linha entre exploração e expropriação se torna cada vez mais tênue, intensificando o racismo e o populismo de direita.43

Rejane Hoeveler, uma historiadora e feminista marxista brasileira, enfatiza a indissociabilidade das lutas contra o capitalismo e o patriarcado. Ela argumenta que, embora existam setores da classe trabalhadora mais oprimidos e precarizados — como mulheres, pessoas negras e indivíduos LGBTQ+ —, todos fazem parte de uma classe multifacetada e heterogênea que o capitalismo explora, fomentando a competição interna. Hoeveler defende que a solução real para as questões femininas reside fora do capitalismo e que o patriarcado só terminará com o fim do sistema capitalista, mas ressalta que ambas as lutas devem ser travadas simultaneamente.31 A visão feminista do capitalismo na sociologia afirma que ele é inerentemente patriarcal, privilegiando homens e seus interesses, e que perpetua e reforça a opressão de gênero. Isso se manifesta na desvalorização do trabalho doméstico não remunerado, nas lacunas salariais de gênero e na mercantilização dos corpos e da sexualidade das mulheres, que contribuem para a acumulação de capital e a manutenção das hierarquias de gênero.32 Essas críticas feministas revelam como o capitalismo não é um sistema neutro em termos de gênero, mas sim um que se beneficia e reproduz múltiplas desigualdades, exigindo uma luta interseccional para sua superação.

2.5.3. Jovens Ativistas

Os jovens ativistas, particularmente os engajados no movimento climático, têm adotado uma postura cada vez mais radical e anticapitalista, identificando o sistema econômico como a raiz das crises ambientais e sociais. A postura do movimento juvenil pelo clima (YCM) evoluiu significativamente, passando de greves escolares e apelos para que os formuladores de políticas “ouvissem a ciência” para uma compreensão mais explícita de que o capitalismo e o colonialismo são as causas fundamentais da crise climática.44 Mais da metade dos grupos juvenis climáticos pesquisados identificam um “sistema que coloca o lucro acima das pessoas e do planeta” como a causa da degradação climática e ecológica, com 89% desses grupos nomeando especificamente o capitalismo e o (neo)colonialismo.46

Figuras proeminentes como Greta Thunberg e o movimento Fridays for Future passaram a destacar a necessidade de pôr fim ao capitalismo para evitar o colapso climático, argumentando que a ganância corporativa e a lógica de lucro contínuo impulsionam a destruição de ecossistemas e o neocolonialismo.47 Um quarto dos grupos pesquisados visa substituir completamente o sistema econômico atual, indicando que as abordagens reformistas incrementais não são mais consideradas suficientes.46 Grupos como Zero Hour, Earth Uprising, Climate Cardinals e Sunrise Movement exemplificam essa abordagem interseccional da justiça climática, ligando-a diretamente ao capitalismo, sexismo, racismo e colonialismo.48 O Zero Hour, por exemplo, é uma organização internacional de justiça climática liderada por jovens que acredita que a liderança juvenil é crucial para proteger o planeta e que a solução para a crise climática reside em abordar as desigualdades sistêmicas.48 Esses movimentos buscam não apenas mitigar os efeitos das mudanças climáticas, mas desmantelar as estruturas de poder que as causam, defendendo um novo sistema pós-capitalista que priorize as pessoas e o planeta.46

III. Referências e Repositórios para o Debate

3.1. Universidades e Centros de Pesquisa

O debate sobre a práxis capitalista, exploração e mais-valia é amplamente nutrido por universidades e centros de pesquisa que se dedicam à economia política crítica e ao marxismo. Essas instituições fornecem o arcabouço teórico, a pesquisa empírica e a formação de novas gerações de estudiosos.

No Brasil, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) é um polo de estudos marxistas. Seu Instituto de Economia (IE) abriga centros como o Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT), o Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON) e o Centro de Estudos de Desenvolvimento Econômico (CEDE), que abordam questões de trabalho, desenvolvimento e política econômica a partir de uma perspectiva crítica.50 O Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) também é um centro de excelência em teoria social crítica, sendo conhecido pela “Escola Poulantziana de Campinas”, que aprofunda a análise do Estado e das classes sociais com base em Nicos Poulantzas, expandindo as reflexões de Marx, Lênin e Gramsci.51 A Universidade Federal Fluminense (UFF) se destaca pelo Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre Marx e o Marxismo (NIEP-Marx), que publica a Revista Marx e o Marxismo, um periódico de orientação marxista aberto a todas as áreas do conhecimento social e reflexão teórica.52 O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), uma fundação pública vinculada ao Ministério do Planejamento e Orçamento, realiza pesquisas para subsidiar políticas públicas, incluindo estudos sobre trabalho, desigualdade e justiça social.24

Internacionalmente, diversas instituições contribuem para esse campo. A Columbia University (EUA) lançou em 2022 o Columbia Center for Political Economy, que busca identificar e avançar os desenvolvimentos mais promissores na economia desde a crise financeira de 2008 e promover uma nova economia política com fundamentos filosóficos robustos. O centro possui “Idea Labs” focados em temas como Trabalho e Força de Trabalho, Empresas e Política Industrial, Dinheiro e Finanças, e Economia Política do Clima.55 A UC Davis (EUA) abriga o Marxist Institute for Research (MIR), uma iniciativa que conecta professores e estudantes de pós-graduação em pesquisa e pedagogia relacionadas ao materialismo histórico em todo o sistema da Universidade da Califórnia. O MIR organiza um Seminário de Verão anual e busca preencher a lacuna entre as humanidades e as ciências sociais na aplicação da teoria marxista.57 A SOAS University of London (Reino Unido) possui um Departamento de Economia com forte tradição em economia política e economia do desenvolvimento, explorando temas como desigualdades socioeconômicas, crise ambiental, financeirização e reprodução social, e conta com a rede International Initiative for Promoting Political Economy.59 A London School of Economics (LSE, Reino Unido), embora não explicitamente marxista, possui centros como o Centre for Economic Performance (CEP) e o Suntory and Toyota International Centres for Economics (STICERD) que conduzem pesquisas em economia política, mercados de trabalho e desenvolvimento.60 Em Londres, o City Political Economy Research Centre (CITYPERC), da City St George’s, University of London, é um centro de análise especializada em política e economia, abordando desafios do capitalismo global contemporâneo.61

Outras instituições relevantes incluem a Georgetown University (EUA), com seu Global Political Economy Project (GPEP) no Mortara Center, que foca em mercados globais pós-neoliberais, desigualdade, sustentabilidade e tecnologias digitais.62 A York University (Canadá) possui o Global Labour Research Centre (GLRC), que investiga desafios e injustiças na economia global, direitos trabalhistas, migração e relações de gênero/raça nos movimentos trabalhistas.64 A Cornell University (EUA), por meio do Global Labor Institute (GLI), realiza pesquisas sobre trabalho em cadeias de suprimentos globais, direitos trabalhistas e impactos das mudanças climáticas na produção de vestuário.65 No Brasil, a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) também possuem programas de pós-graduação e grupos de pesquisa em ciências humanas e sociais aplicadas, que frequentemente abordam temas de economia política crítica e marxismo em seus departamentos de Economia, Sociologia e Serviço Social.66 Essas instituições, com suas pesquisas e parcerias globais, fornecem uma base acadêmica crítica, fomentando o debate e a formação de novos estudiosos que analisam e desafiam a práxis capitalista de diversas perspectivas teóricas.

3.2. Revistas Acadêmicas

As revistas acadêmicas desempenham um papel crucial na disseminação de análises críticas, desenvolvimentos teóricos e pesquisas empíricas sobre a práxis capitalista, a exploração e a mais-valia. Elas servem como plataformas vitais para o discurso acadêmico, desafiando narrativas dominantes e promovendo o diálogo interdisciplinar.

No Brasil, a Revista Marx e o Marxismo – Revista do NIEP-Marx (da UFF) é uma publicação oficial do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre Marx e o Marxismo, que adota uma orientação marxista e abrange todos os campos do conhecimento social e da reflexão teórica.53 A revista Germinal: marxismo e educação em debate (da UFBA) foca na interseção entre marxismo e educação, publicando artigos, entrevistas e resenhas sobre temas como tecnologia, fetichismo na crítica da economia política, financeirização no capitalismo dependente e precarização do trabalho docente.68 A Revista HISTEDBR On-line (da Unicamp) aborda o trabalho e o capitalismo, explorando a dualidade da ontologia do ser social e novas formas de exploração do trabalho, como a “uberização” das relações de trabalho.69

No cenário internacional, a revista Historical Materialism (Reino Unido), fundada em 1997, é um dos periódicos marxistas mais proeminentes, defendendo que o marxismo oferece o arcabouço conceitual mais produtivo para analisar fenômenos sociais com o objetivo de transformá-los.70 A Review of Radical Political Economics (EUA) é o principal periódico da Union for Radical Political Economics (URPE), publicando literatura em economia política radical.70 Outras revistas importantes incluem Capital & Class (Reino Unido), conhecida por sua abordagem crítica da economia política 70, e a Monthly Review (EUA), uma revista/jornal socialista independente de longa data que cobre ecologia, imperialismo, desigualdade e marxismo.73 A New Left Review (Reino Unido) é uma influente revista da esquerda intelectual.70

O campo dos estudos feministas e do trabalho também possui periódicos relevantes. A revista Feminist Studies (EUA) explora as críticas feministas ao capitalismo, a natureza interseccional de gênero e capital, a reprodução social e a economia informal.32 No campo da história do trabalho, destacam-se a Labor History e a Labour History Review (EUA/Reino Unido), que publicam pesquisas originais sobre a história do trabalho, sindicatos e a vida da classe trabalhadora.76 A International Labor and Working Class History foca em questões trabalhistas internacionais.77 Além disso, a Journal of Political Economy (EUA), embora seja uma publicação mainstream, ocasionalmente apresenta artigos que dialogam com a economia política crítica, especialmente em suas seções de acesso aberto.78 Essas revistas acadêmicas, ao publicar pesquisas rigorosas e análises teóricas aprofundadas, são essenciais para o avanço do conhecimento e para a sustentação do debate crítico sobre a práxis capitalista e suas implicações sociais.

3.3. Mídias Alternativas

As mídias alternativas desempenham um papel crucial ao oferecer contrapontos às narrativas dominantes da mídia mainstream, que frequentemente servem a interesses corporativos e políticos estabelecidos. Esses veículos amplificam vozes marginalizadas, denunciam a exploração e fomentam a consciência crítica, sendo um componente vital no debate público sobre a práxis capitalista e a justiça social.

No Brasil, o jornal Brasil de Fato é um veículo independente e sem fins lucrativos que oferece uma visão popular do Brasil e do mundo, dando voz às lutas populares. Sua cobertura abrange política, questões internacionais, direitos humanos, bem-estar (com foco em agroecologia e cultura) e temas socioambientais, investigando e denunciando notícias importantes para a sociedade.80 A Rede Brasil Atual foca em notícias e eventos atuais, cobrindo cidadania, cultura, economia, educação, política e sociedade.82 O Instituto Humanitas Unisinos (IHU), embora não seja uma mídia alternativa no sentido estrito, oferece programas, notícias e publicações que incluem entrevistas e análises críticas sobre economia (“Repensando a Economia”), sociedade sustentável e questões globais, com um foco humanista e muitas vezes crítico ao sistema.83 O site Outras Palavras aborda temas como plataformas digitais, capitalismo sem freios e tecnofeudalismo, oferecendo uma perspectiva crítica sobre a economia digital.84

Nos Estados Unidos, Democracy Now! é um programa de notícias global independente e não comercial que se dedica a cobrir histórias e vozes que podem ser silenciadas ou questionadas pelo poder. Sua cobertura abrange direitos humanos, conflitos, movimentos sociais e política dos EUA, com uma forte ênfase na independência editorial.74 A revista Jacobin é uma voz proeminente da esquerda americana, oferecendo perspectivas socialistas sobre política, economia e cultura, com artigos que analisam questões trabalhistas, imperialismo e temas sociais.74 O MR Online (Monthly Review Online) foca em ecologia, educação, imperialismo, desigualdade, trabalho, marxismo e movimentos, fornecendo análises críticas de questões globais.74 The Nation, fundada por abolicionistas em 1865, mantém seu foco em política, assuntos mundiais, economia, cultura e artes, com o objetivo de promover um mundo mais democrático e equitativo.74 Truthout é uma organização de jornalismo independente que se dedica a reportagens destemidas sobre direitos humanos, economia, trabalho, meio ambiente, justiça racial e prisões.74 Common Dreams é uma organização de notícias progressista independente que cobre política, clima, economia, direitos e justiça, e guerra e paz, enfatizando que seu conteúdo é “financiado pelo povo, não pelas corporações”.74 Por fim, The Intercept é uma organização de notícias sem fins lucrativos de esquerda que publica jornalismo investigativo e análises, com forte foco em responsabilizar os poderosos.74

Essas mídias alternativas são cruciais para a vitalidade do debate sobre a práxis capitalista, pois oferecem um espaço para a diversidade de ideias e para a contestação das narrativas hegemônicas. Ao fornecer informações e análises que muitas vezes são ignoradas ou distorcidas pela grande mídia, elas contribuem para a formação de uma consciência crítica e para a mobilização de movimentos sociais que buscam uma transformação profunda das relações de exploração e desigualdade.

Conclusões

A análise da práxis capitalista, da exploração e da mais-valia na contemporaneidade revela a persistência e a complexidade desses fenômenos, que continuam a ser pilares fundamentais para a compreensão das dinâmicas sociais e econômicas globais. A práxis, como atividade humana transformadora, é central para a teoria marxista, e sua distorção no capitalismo, manifestada pela alienação e exploração, impulsiona a necessidade de uma práxis política revolucionária. A mais-valia, o valor gerado pelo trabalho não pago e apropriado pelo capitalista, permanece a fonte do lucro e da acumulação de capital, embora sua mensuração e manifestação se tornem mais complexas na era do trabalho imaterial e da economia de plataforma.

As vertentes e debates contemporâneos no marxismo, como a Teoria Marxista da Dependência e a Escola Francesa da Regulação, demonstram a adaptabilidade e a riqueza da teoria para analisar novas realidades, como a superexploração em economias periféricas e as transformações institucionais do capitalismo. Contudo, essas vertentes também revelam tensões internas e diferentes ênfases na crítica sistêmica. As críticas não-marxistas, por sua vez, sublinham uma incompatibilidade fundamental de paradigmas, onde a exploração é negada ou redefinida, e o lucro é justificado como recompensa por risco e investimento.

A crítica à práxis capitalista é articulada por uma vasta gama de atores e instituições. Coletivos e redes transnacionais, como o Movimento por Justiça Global e a Progressive International, demonstram uma evolução das táticas anticapitalistas, da crítica à globalização corporativa para o combate ao “capitalismo de desastre” e ao nacionalismo autoritário, enfatizando a solidariedade global. Organizações Não Governamentais (ONGs) atuam em um espectro que vai da reforma (Anti-Slavery International) à contestação radical (MTST, Oxfam), frequentemente adotando uma abordagem interseccional que liga a exploração a questões de gênero, raça e outras formas de opressão. Órgãos multilaterais como a OIT e a ONU, embora abordem a desigualdade e os direitos trabalhistas, operam majoritariamente dentro do arcabouço capitalista, com sua eficácia limitada pelas relações de poder e pela primazia da soberania nacional.

As plataformas digitais representam uma nova fronteira da exploração, com o controle algorítmico e a classificação errônea do trabalho intensificando a apropriação de mais-valia e desafiando as leis trabalhistas tradicionais, o que exige novas formas de regulação e organização coletiva. Lideranças indígenas, como Ailton Krenak e Howard Adams, oferecem uma crítica profunda que vai além da exploração econômica, abrangendo a aniquilação cultural e ambiental. Lideranças feministas, como Nancy Fraser e Rejane Hoeveler, destacam a interconexão da exploração com o patriarcado e o racismo, revelando como o capitalismo se beneficia dessas opressões. Jovens ativistas, especialmente no movimento climático, adotam uma perspectiva explicitamente anticapitalista, vendo a lógica do lucro como a causa fundamental das crises globais e defendendo uma transformação sistêmica radical.

Finalmente, universidades, centros de pesquisa, revistas acadêmicas e mídias alternativas são repositórios essenciais para esse debate. Instituições como Unicamp, UFF, Columbia, UC Davis, SOAS, LSE, Georgetown, York e Cornell, juntamente com periódicos como Historical Materialism, Review of Radical Political Economics e Germinal, fornecem o rigor teórico e a pesquisa empírica necessários. Mídias alternativas como Brasil de Fato, Democracy Now!, Jacobin e The Intercept oferecem contrapontos cruciais às narrativas dominantes, amplificando vozes marginalizadas e fomentando a consciência crítica. A contínua vitalidade desses espaços demonstra que, apesar das complexidades e desafios, a crítica à práxis capitalista e a busca por uma sociedade mais justa permanecem um campo dinâmico e essencial de estudo e ação.

Aqui estão as narrativas, analogias e relatos que ilustram os conceitos de práxis capitalista, exploração e mais-valia.

I. Narrativa: A Jornada de Sofia, Entregadora por Aplicativo

Sofia, 32 anos, vive na periferia de uma grande cidade. Sua vida é um emaranhado de algoritmos e incertezas, um exemplo vivo da práxis capitalista em sua forma mais contemporânea: a economia de plataforma. Ela é entregadora de aplicativo, e seu “escritório” é a rua, sua ferramenta de trabalho, uma bicicleta velha e um celular com o aplicativo sempre aberto. A promessa de flexibilidade e autonomia que a atraiu para esse trabalho rapidamente se revelou uma ilusão.

Seu dia começa antes do sol nascer, pedalando por ruas ainda escuras para pegar as primeiras entregas. O dilema de Sofia é constante: aceitar corridas com pagamentos irrisórios para manter sua “taxa de aceitação” alta e não ser penalizada pelo algoritmo, ou recusar e correr o risco de ter menos ofertas no futuro. Ela sabe que, muitas vezes, o valor que recebe por uma entrega mal cobre o desgaste da bicicleta, os dados do celular e o tempo gasto. As horas que passa pedalando, esperando por pedidos ou lidando com imprevistos no trânsito, são a materialização da mais-valia absoluta.1 Ela trabalha muito mais do que o tempo necessário para cobrir o custo de sua subsistência, e o valor gerado nesse “trabalho excedente” é apropriado pela plataforma, que lucra com cada entrega sem arcar com os custos de um empregado formal.2

A cada atualização do aplicativo, Sofia sente a intensificação da mais-valia relativa.1 Novas funcionalidades prometem otimizar rotas e agilizar entregas, mas na prática, significam que ela precisa ser mais rápida, mais eficiente, e produzir mais em menos tempo para manter a mesma remuneração. O algoritmo, opaco e impessoal, controla sua jornada, sua remuneração e até mesmo a ameaça de “desativação”.3 Essa falta de transparência e a unilateralidade das plataformas na definição dos pagamentos a deixam em uma posição de vulnerabilidade, onde a exploração se torna quase invisível, disfarçada pela aparente “liberdade” de ser seu próprio chefe.3

Apesar dos desafios, Sofia não está sozinha. Sua conquista mais significativa foi a formação de um pequeno coletivo de entregadores em seu bairro. Eles se reúnem em uma praça, trocam informações sobre as melhores rotas, os piores clientes e, mais importante, discutem formas de se organizar. Essa é a práxis política em ação: a união de trabalhadores que, ao tomar consciência de sua condição de explorados, buscam coletivamente transformar sua realidade.4 Eles organizaram pequenas paralisações, criaram grupos de mensagens para alertar sobre pagamentos injustos e começaram a dialogar com sindicatos e movimentos sociais. O desafio é imenso, pois a fragmentação da classe trabalhadora na economia de plataforma dificulta a mobilização.5 No entanto, a cada pequena vitória – um pagamento reajustado, uma desativação revertida – Sofia e seus colegas reafirmam sua agência e o potencial transformador da práxis coletiva contra a lógica implacável do capital.

II. Analogia Literária: O Poço Sem Fundo do Capital

Imagine o sistema capitalista como um vasto e sedutor Poço Sem Fundo. Na superfície, há uma fonte borbulhante de riqueza e oportunidades, com jatos de dinheiro e mercadorias brilhantes que atraem a todos. As pessoas são convidadas a lançar suas “horas de trabalho” nesse poço, na promessa de que receberão em troca uma parte justa da água que jorra. Essa água é o salário, o suficiente para matar a sede e continuar a jornada.

No entanto, o que não se vê na superfície é que o poço tem um mecanismo oculto e engenhoso. A água que jorra não é apenas o resultado do trabalho de quem a lança; há uma parte invisível, um “excedente” de água que é desviado para um reservatório secreto no fundo do poço. Essa água desviada é a mais-valia.6 Ela é o valor que o trabalhador produz além do que recebe como salário, o “trabalho não pago” que se acumula para o dono do poço.6 O dono do poço, o capitalista, não precisa lançar sua própria água; ele vive da água excedente que é desviada do trabalho dos outros.

A exploração é o próprio ato desse desvio.8 Não é um roubo à luz do dia, mas um mecanismo intrínseco ao design do poço, legitimado pela “troca” de água por trabalho. Quanto mais as pessoas lançam água no poço, mais o reservatório secreto do dono transborda, mesmo que a quantidade de água que jorra para os trabalhadores permaneça a mesma ou diminua. A busca por mais água no reservatório secreto leva o dono a inventar novas técnicas (bombas mais eficientes, canos mais finos) para desviar ainda mais água (mais-valia relativa) ou a exigir que as pessoas lancem água por mais tempo (mais-valia absoluta).8

A práxis capitalista é a própria dinâmica desse poço: a incessante atividade de lançar água e o desvio contínuo do excedente, que perpetua a riqueza de poucos e a dependência de muitos. Mas a analogia também sugere a possibilidade de práxis revolucionária: quando as pessoas que lançam água no poço percebem o mecanismo oculto, elas podem se unir, não apenas para exigir mais água para si, mas para tomar o controle do poço, redirecionar o fluxo e garantir que a água seja distribuída de forma equitativa para todos, transformando o poço sem fundo em uma fonte de abundância compartilhada.

III. Relatos e Testemunhos: A Exploração em Vozes Reais

A práxis capitalista, com sua exploração e mais-valia, não é apenas um conceito acadêmico; ela se manifesta em experiências humanas concretas, moldando vidas e impulsionando lutas por justiça. Os relatos de pessoas impactadas por essas dinâmicas revelam a face viva da teoria.

Um testemunho poderoso vem de um ativista do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) no Brasil. Ele descreve a experiência de uma família que, após anos de trabalho precário e salários insuficientes, foi despejada de sua moradia. “Eles trabalharam a vida toda, geraram riqueza para seus patrões, mas não conseguiram acumular o suficiente para ter um teto digno. O lucro da empresa deles vinha do suor desses trabalhadores, da mais-valia que eles produziam e que não era revertida em condições de vida decentes. Quando a crise chegou, foram os primeiros a serem descartados.” 11 Esse relato ilustra como a exploração 8 se traduz em vulnerabilidade social e como a mais-valia 6 apropriada pelo capitalista se manifesta na falta de acesso a direitos básicos como moradia. A luta do MTST, através de ocupações e da “luta direta” 12, é uma práxis política 4 que busca confrontar essa lógica, exigindo a reforma urbana e a construção de uma sociedade onde a moradia seja um direito, não uma mercadoria.

Outro relato impactante pode vir de uma mulher indígena, ecoando as palavras de Ailton Krenak.13 Ela descreve como a mineração em suas terras ancestrais, impulsionada pela busca incessante por lucro, destrói rios e florestas, afetando diretamente seu modo de vida e sua cultura. “Eles vêm com a promessa de progresso, de empregos, mas o que vemos é a terra doente, a água contaminada e nossos jovens sem futuro. O lucro que eles tiram daqui é a nossa vida que se vai. É a mais-valia que eles extraem da nossa terra, da nossa natureza, que para nós é sagrada.” 13 Esse testemunho amplia a compreensão da exploração capitalista 8 para além do trabalho assalariado, mostrando como o sistema “canibaliza” a natureza e os modos de vida tradicionais para gerar lucro, transformando a vida e o meio ambiente em mercadorias descartáveis.14 A resistência indígena, nesse contexto, é uma práxis 4 que defende não apenas a terra, mas um projeto civilizatório alternativo ao “necrocapitalismo”.13

Um terceiro testemunho pode ser o de uma mulher que, além de seu trabalho formal, dedica horas diárias ao cuidado de seus filhos e idosos da família, sem remuneração. Ela sente o peso da “dupla jornada” e a invisibilidade de seu esforço. Essa experiência se alinha à crítica feminista de Nancy Fraser, que aponta o trabalho de reprodução social (cuidado não remunerado) como um “terreno oculto” do capitalismo.17 “Ninguém paga por isso, mas sem esse trabalho, a sociedade não funciona. As pessoas não iriam para o trabalho, as crianças não seriam criadas. É como se fosse um trabalho invisível, mas que gera valor para o sistema, porque mantém a força de trabalho pronta para ser explorada.” 17 Esse relato ilustra como a mais-valia 6 é gerada não apenas na fábrica ou no escritório, mas também na esfera doméstica, onde o trabalho de cuidado, majoritariamente feminino, é desvalorizado e apropriado indiretamente pelo capital, que se beneficia de uma força de trabalho “reproduzida” a baixo custo.17 A luta feminista, nesse sentido, é uma práxis interseccional 19 que busca visibilizar e valorizar esse trabalho, questionando as estruturas patriarcais e capitalistas que o exploram.

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